Artigo: A Peste

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Por: Rodrigo Segantini*

Um dos meus livros favoritos é “A Peste”, de Albert Camus. Seu enredo trata de uma epidemia na cidade de Oran, na Argélia natal do escritor, à época uma colônia francesa, o que levou à decretação de uma quarentena e o lockdown na localidade, na tentativa de deter a disseminação da doença que estava matando as pessoas aos montes.

Camus dizia que sua narrativa era uma abordagem alegórica da peste como metáfora para todas as formas de opressão e de resistência. O livro foi escrito logo depois da II Guerra Mundial e o mundo se ressentia de regimes opressores. O próprio autor lutou no conflito bélico, sob a bandeira da resistência francesa. Para o autor, tanto os flagelos totalitários quanto as pandemias reais surgem para desgraça e ensinamento dos homens.

Dentre os personagens, identificamos o médico que se surpreende com o avanço da doença e sua insuficiência para detê-la; o sujeito que se desespera porque quer sair do isolamento e fica maquinando meios para alcançar seu intento; aquele que acha que o que está havendo é um sinal dos tempos para responsabilização das faltas humanas; também há o que tira proveito da situação e busca um jeito de tirar vantagem do momento adverso. No conjunto, o que temos é um retrato da mesma situação que temos atualmente entre nós. É como se nossos dilemas correntes fossem coloridos pela escrita ficcional, apagando o flagelo da banalidade de nosso cotidiano.

Atualmente, um ano após o início da pandemia, estamos em seu momento mais crítico. Isso porque passamos por pontos de inflexão que ameaçavam com a piora do cenário da covid-19 em nossa região e foi exatamente o que aconteceu. E tudo isso não foi por culpa do presidente Bolsonaro e sua política errática e equivocada de apostar em um tratamento farmacológico inócuo, nem foi culpa do governador João Dória e o regramento severo que impôs às atividades comerciais. A culpa de a covid-19 ter alcançado índices estratosféricos de contágio é do vírus. É preciso despolitizar a discussão em torno desta doença se queremos tratá-la. E o vírus circulou por nossa causa, seja nas festas de final de ano, seja no carnaval, seja nos feriados…

Porque ainda não há cura para covid-19 e enquanto não houver a imunização em massa por meio da vacinação da população, o único meio de diminuir o contágio é o conjunto de cuidados individuais a partir do distanciamento social, uso de máscara e higienização das mãos. Pode falar o que quiser de Bolsonaro e sua cloroquina, pode falar o que quiser de João Dória e seu plano de zonas coloridas. Enquanto um de nós insistir em ficar se aglomerando por aí, em não usar máscara, ficar pondo a mão em tudo quanto é lugar e depois coçar o nariz, a boca ou olhos, haverá doentes entre nós.

Ninguém quer quarentena. Ninguém quer lockdown. Tudo mundo quer a cura. Mas, para a cura, é preciso remédio e o remédio, às vezes, é amargo, é aquilo que ninguém quer. Porém, se todo mundo colaborar, a gente consegue passar por essa – juntos, em um só coração, como sempre.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp

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