Em Tempo – Romance Moderno

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Por: Prof. Gilberto Tannus*

Fabíola é linda. Loira, olhos azuis, pele alabastrina. Seus pezinhos descalços pisam suavemente as pedras amarelas de basalto molhadas pela água da piscina.

Biquíni branco, reduzidíssimo, fio-dental. Mais nada. Deusa ariana.

Pena que namora justamente o parvo do Alfredo.

(Alfredo é nome de mordomo.

“- Alfreeeedo! Traga o papel!”, reverbera pelos corredores da mansão o som da voz da patroa. E o serviçal-mor o traz, na bandeja de prata.)

Ademais, o idiota está endividado até o pescoço com dezenas de carnês de crediário.

(LOJAS CEM, breve em Taquara City, também venderá fiado à distinta freguesia de nosso progressista município, urbe pérola da araraquarense.)

Fabíola o trai com um primo, advogado.

(Advogado é igual a farmácia, encontramos um em cada quarteirão.

No cipoal burocrático dos códigos de leis brasileiros, é temerário dar-se um peido sem consulta prévia a um especialista em direito civil, criminal, trabalhista e o escambau a quatro.)

A tia Maria Cristina conhece o segredo dos “pombinhos apaixonados” e tudo faz para aproximá-los.

Maria Cristina detesta Alfredo.

Diz à vizinhança que o pobre tem nome de mordomo.

Lastimável, sob todos os pontos de vista. Pudera! Nos antigos romances folhetinescos e nos nostálgicos filmes policiais em preto e branco, o criminoso era sempre o mordomo.

(Há oitenta anos, leitores de jornais acompanhavam semanalmente em suas páginas os capítulos das histórias romanescas e de mistério escritas por autores populares.

Nelson Rodrigues, renomado dramaturgo de peças como “Vestido de Noiva” e “A Falecida”, escreveu romances folhetinescos. Usou o pseudônimo de Suzana Flag e Myrna para editar as obras “Meu Destino é Pecar”, “Núpcias de Fogo” e “Escravas do Amor”. Verdadeiros sucessos de venda! Lidos por milhões. Atualmente ninguém as lê. Aliás, hoje em dia ninguém lê mais. Nem sequer Paulo Coelho ou “Cinquenta Tons de Cinza”, nem porcaria alguma. A mediocridade intelectual impera. Mundialmente. A internet assassinou a Cultura. Exterminou-a. Cortou-a pela raiz.)

Alfredo é traído por Fabíola, com a ajuda de sua tia Maria Cristina, alcoviteira do casal de Judas que apunhala a honra do pobre rapaz que sonha um dia ser ator da globolixo. Sim, Alfredo é ator teatral. Daí as referências ao Nelson Rodrigues. O óbvio ululante…

Finalizemos com chave de ouro, inspirando-nos nos episódios prosaicos de “A vida como ela é”, de Nelson. Matemos nosso personagem Alfredo vitimando-o com o vírus chinês. Alfredo, mais um cidadão brasileiro levado desta para a melhor pela peste globalizada do Covid-19.

(Cai o pano).

*Prof. Gilberto Tannus é mestre em história pela Unesp

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