Militância tem nome: Áurea Moretti

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Por: Luís Bassoli*

Soube de Áurea Moretti através da nossa amiga comum, Eliana Velocci, que me mostrou sua história fantástica: uma heroína, sobrevivente do regime militar, que nunca traiu suas convicções. Em 2011, a convite da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Taquaritinga, da qual eu era presidente, proferiu uma palestra para falar do passado e do futuro.

Enfermeira de profissão, foi Coordenadora do Programa de Fitoterapia e Homeopatia da Secretaria da Saúde e integrante do grupo gestor do Aquífero Guarani.

Nasceu na zona rural de São Joaquim da Barra, em 1944; viveu no campo até os 10 anos – por essa origem, veio a militância por igualdade social e respeito à natureza.

Em 1960, mudou-se para Ribeirão Preto; no armazém da família, passou a ter contato com o “povo da roça”, e se interessou pelas palestras do “padre Celso” sobre a exploração dos trabalhadores rurais pelos fazendeiros.

Em 1965, após o golpe militar, ingressa na Faculdade de Filosofia Ciência e Letras da USP, milita no movimento estudantil e filia-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), que estava na ilegalidade – chegaram a reunir 6 mil estudantes na Praça XV, em Ribeirão, ato que marcou época.

Em 1966, rompeu com o Partidão e, inspirada por Che Guevara, optou pela luta armada, ingressando nas Forças Armadas de Libertação Nacional (FALN).

Foi presa em outubro de 1969, em Ribeirão, e transferida para o DOPS, em São Paulo, onde enfrentou a barbárie da Operação Bandeirantes. “A gente apanhava muito, o tempo todo no pau-de-arara”. Afirma que os torturadores tinham marcação com as mulheres, muitas foram estupradas. “Fui amarrada numa cadeira, nua e coberta de água, e levava choques a noite toda, em todo corpo, ouvido, boca, seio, vagina”.

Sofreu nas mãos do carrasco Miguel Lamano, delegado que foi expulso do cargo por causa das torturas que cometia. Os soldados jogavam dados para ver quem seria o primeiro nos abusos. Chegou a pedir que a matassem, tamanho o sofrimento.

Sobraram sequelas físicas e emocionais, “dores do corpo e da alma”, uma costela quebrada, labirintite, dificuldade pra dormir – sonhava com o corredor repleto de soldados para torturá-la e acordava chorando.

Valente, se recuperou, dia-a-dia, e manteve sua luta por um mundo melhor, trabalhando nos programas de Práticas Integrativas do SUS, atendendo comunidades carentes com homeopatia e acupuntura – e falando de política. Viveu e sobreviveu para ver nos olhos da netinha Luiza “a esperança para o futuro”. Continuou sua militância por um País mais justo, apesar da tristeza pelos companheiros que tombaram.

Em 2014, como vice-presidente da Câmara Municipal de Taquaritinga, a homenageamos no Dia Internacional da Mulher. Hoje, está aposentada.

Obrigado, camarada Áurea, por existir: pessoas assim são imprescindíveis.

* Luís Bassoli é advogado e ex-presidente da Câmara Municipal de Taquaritinga (SP).

*Os artigos assinados não representam necessariamente a opinião de O Defensor!

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