Artigo: O racismo é filmado. E daí?

Compartilhe esta notícia:

Por: Prof. Sergio A. Sant’Anna*

Calar-se diante de tais atrocidades é concordar com as injustiças cometidas diante do racismo vigente, estrutural e operante. Não podemos nos acomodar e achar que essa situação é banal. Durante séculos fomos acometidos por esse tipo de pensamento; enquanto poucos lutavam por justiça, inúmeros se acovardavam e mantinham-se calados com medo. O racismo está aí, sempre esteve, todavia, agora, está sendo filmado.

Semana passada dois vídeos chamaram a atenção nas redes sociais, pois dois garotos de dezenove anos, entregadores de aplicativos e com nomes iguais, Mateus, foram vítimas da discriminação. O primeiro caso aconteceu na cidade paulista de Valinhos e o outro teve a Cidade Maravilhosa como cenário. Em Valinhos-SP, Mateus foi vítima de outro Mateus, que na delegacia alegou, através de alguns documentos e laudos, ser esquizofrênico. Porém, o que chama a atenção no caso da cidade do interior de São Paulo é como a desigualdade social distancia os discursos e o impregna de ódio, raiva, violência, desprezo, colocando, no caso o entregador, como aquele que deve me servir no momento que eu quiser, e que nunca será o que eu consegui atingir vivendo ao custeio de meus familiares. Detalhe: esse discurso é transmitido de geração a geração, e o que foi reproduzido pelo Mateus agressor, consequentemente é disposto em seu meio social; no segundo caso, quando o jovem Mateus foi comprar o primeiro presente para seu pai, com o dinheiro de suas entregas, foi abordado por dois seguranças do “Shopping Ilha”, que se identificaram como policiais militares. Levado para um lugar ermo, a escadaria de emergência, o jovem foi vítima do racismo, pois uma arma foi disposta à sua cabeça e o jovem ameaçado, xingado. Lembrando que Mateus apresentou a nota fiscal da compra e disse que era entregador do mesmo shopping.

Por que será que esse tipo de atitude racista ainda impera em nossa sociedade? Esse é o típico comportamento humano, que agora está sendo filmado, porém sempre existiu. O Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravidão de uma população de cinco milhões de pessoas trazidas da África, conforme dados de 1888. Quase 130 anos depois, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, ainda carrega o mesmo vírus racista em relação aos negros, como ele próprio demonstrou ao responder uma pergunta do público em um programa da TV Band em 2011, o então deputado disse que seus filhos não corriam o risco de namorar uma mulher negra ou virarem gays, porque “foram muito bem-educados”. Em 2018, durante entrevista a jornalistas no programa Roda Viva, da TV Cultura, o ainda candidato, Bolsonaro perguntou: “Que dívida histórica é essa que temos com os negros? Eu nunca escravizei ninguém na minha vida”, e acrescentou “O português nem pisava na África. Foram os próprios negros que entregavam os escravos”, disse Bolsonaro. Assim como o presidente brasileiro, também o policial que matou George Floyd, o presidente americano, o sionista que matou a sangue frio o deficiente Iyad al-Hallaq, e Netanahu, são todos imagem da mesma moeda, da crença na superioridade da raça branca sobre os negros.

As ações do Estado Brasileiro sempre foram violentas em relação aos negros, mas o atual presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, também é um extremista de tendências racistas. É de 2017 outra declaração racista de sua visita a um quilombo em Eldorado Paulista. “O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Acho que nem para procriadores servem mais” (Discurso feito no Clube Hebraica, Rio de Janeiro, 3 de abril de 2017). A população negra no Brasil e no mundo como um todo é a parte que mais sofre violência, salários baixos e crimes étnicos. De acordo com um estudo sobre violência publicado em maio passado, os assassinatos de mulheres brancas caíram 105 entre 2003 e 2013, enquanto o número aumentou 54% entre as mulheres negras”. Faz-se importantíssimo refletirmos, parar de naturalizar aqui no Brasil esses assassinatos de jovens negros no Brasil — a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. E o quanto precisamos pensar esses desafios aqui dentro do nosso país, sobretudo em um momento de muita repressão aos movimentos sociais, em um momento de corte de políticas públicas para populações negras. É extremamente importante o que acontece nos Estados Unidos, entretanto chamo atenção para que as pessoas tenham mais consciência sobre o que se passa aqui no Brasil, na nossa realidade, que as pessoas negras historicamente denunciam, todavia que infelizmente as pessoas parecem que não enxergam quão grave é esse problema ético que temos no Brasil, de assassinato de pessoas negras.

Todo mundo sabe que o racismo existe, mas ninguém é racista. Vivemos atuando, fingindo, concordando com as atrocidades. O egocentrismo nos define. Pobre raça humana.

*Prof. Sergio A. Sant’Anna – Professor da Rede Adventista em Santa Catarina; Corretor de Textos em “Redação sem Medo”.

Compartilhe esta notícia: