Cristo Redentor de Taquaritinga completa 60 anos

Compartilhe esta notícia:

Obra de Oscar Valzacchi foi descerrada juntamente com a inauguração oficial da praça em homenagem ao poeta e jornalista Narciso Nuevo.

Por: Nilton Morselli

Neste Natal, o Cristo Redentor da Praça Narciso Nuevo completa 60 anos. Por sorte, talvez decorrente do respeito que se tem pela figura daquele certo galileu, é um dos monumentos mais bem conservados de Taquaritinga, cidade tão carente de obras artísticas em sua paisagem urbana.

A construção, da lavra de Oscar Valzacchi, é uma réplica do ponto turístico mais famoso do Rio de Janeiro, a maior escultura de Art Decó de que se tem notícia. A obra eleita em 2007 como uma das sete novas maravilhas do mundo saiu da prancheta do engenheiro Heitor da Silva Costa, que trabalhou nela entre os anos de 1926 e 1931.

O Cristo Redentor da Praça Narciso Nuevo: seis décadas de existência

Benedicto Narciso da Rocha Nuevo, o patrono da praça do cemitério, não viveria para ver a inauguração do Cristo da Cidade Maravilhosa. Morreu um ano antes, em 8 de novembro de 1930, aos 31 anos de idade – nascera em 9 de junho de 1899, filho de José Maria Nuevo e Brasiliza da Rocha Nuevo.

A solenidade realizada na véspera do Natal de 1959 serviu a uma dupla comemoração: homenagear a memória do poeta e jornalista Narciso, cujo nome naquela data substituiu oficialmente a denominação dada três anos antes – Praça da Saudade – e para inaugurar a estátua do Cristo Redentor. A troca do nome é objeto da Lei n.º 298, de 5 de novembro de 1959.

Dr. Mazinho, que administrou a cidade entre 1.º de janeiro de 1956 e 8 de junho de 1959, deixou o cargo porque se elegera deputado estadual. Coube, então, ao vice Pedro Perotti completar o mandato. Antes de assumir a chefia do Executivo, o engenheiro Perotti foi o responsável por “remodelar e urbanizar a então inculta área frente à necrópole da cidade”, como registrado no livro de poesias “Horas Côr de Rosa”, publicado originalmente por Narciso um ano antes de sua partida.

Para erigir a réplica da mais conhecida escultura do país, a Prefeitura contratou os serviços do jovem Oscar Valzacchi (Taquaritinga, 18/1/1927-São Caetano do Sul, 16/7/1979). Talvez seja a única escultura que o artista deixou na terra em que nasceu, já que daqui partiu para Catanduva. Lá, prestigiado e reconhecido pelo poder público, projetou e executou inúmeras esculturas e monumentos, além da Fonte Luminosa, e hoje ele mesmo é nome de uma praça.

Uma década antes de moldar o nosso Cristo, Valzacchi trocou a Cidade Pérola pela Cidade Feitiço, aos 22 anos, e com seus irmãos montou um atelier, que funcionou até 1951, na Rua Sete de Setembro, de acordo com o historiador e advogado José Carlos Buch. O prefeito José Antônio Borelli o convidou a realizar diversas esculturas e monumentos.

“Também é de sua autoria a maioria dos retratos pertencentes à Câmara Municipal, a maioria dos retratos dos presidentes do Legislativo entre outras importantes obras. Existe um quadro no qual o artista retratou o então Padre Albino e que pertence ao acervo da J. Marino que é de uma perfeição impressionante”, relata Buch.

No mesmo ano, de acordo com o historiador Milve Peria, Oscar foi contratado para pintar retratos de prefeitos. As telas integram a galeria que fica no hall de entrada do prédio da Prefeitura.

Oscar Valzacchi (sentado à esquerda, em seu atelier), escultor que fez o Cristo

A herança artística da família Valzacchi começou com o patriarca Francisco (hoje nome de uma rua na Vila Rosa), professor, pintor, decorador e escultor. Nasceu e formou-se em Údine (Itália), veio para o Brasil e fixou-se em Taquaritinga. Foi contemporâneo de outro imigrante, o não menos talentoso escultor Ricardo de Lucca (Corigliano Calabro, 1904-Taquaritinga,1998), responsável pela arquitetura gótica da Matriz de São Sebastião. Francisco semeou a paixão pela arte entre os filhos Oscar e Edwil. Juntos, decoraram igrejas e retrataram paisagens.

O servidor público, jornalista e historiador José Romanelli (1900-1994), que foi amigo e companheiro de tertúlias de Narciso Nuevo, desde a adolescência, caprichou no discurso: “Esta graciosa praça pública, este encantador logradouro que agora inauguramos, é o mais belo, o mais delicado e estimado presente de Natal que a Prefeitura desta Imperial Ribeirãozinho pode oferecer a seus munícipes. É, sem duvida, o presente máximo que nos é ofertado nesta santa e tradicional noite, em que todos nós, grandes e pequenos, pobres e ricos, esperamos ansiosos a visita do Papai Noel que, com sua grande sacola às costas, cheia de presentes, nos venha brindar com uma guloseima, um brinquedo, uma lembrança, uma joia, enfim, em comemoração a vinda do menino Jesus ao mundo”.

Romanelli, que viveria bem mais que o amigo que partira tão cedo, enfatizou ainda que a imagem do Cristo Redentor conferia ao lugar “maior esplendor, poesia, religiosidade e encantamento. Este o nosso mais grato presente de Natal, repito. Para mim, sobretudo, esta homenagem é-me grata e particularmente emotiva porque, companheirinho do homenageado desde os tempos de rapaz, sempre mantivemos estreitas e sólidas relações de amizade, irmanados numa afinidade espiritual para os mesmos devotamentos e os mesmos interesses às manifestações da inteligência, da cultura e do saber como humildes e modestos autodidatas.”

Poeta

Narciso Nuevo conta, na carta ao leitor que acompanha o livro, que dividia seu tempo entre a profissão de gráfico e a responsabilidade de editar um bissemanário que enfrentava todas as dificuldades de um jornal interiorano. A primeira edição da “coleção de versos”, como ele mesmo definiu, foi publicada em 1929, ano da grande depressão econômica, quando o Crack da Bolsa de Nova York levou meio mundo à loucura – muitos cafeicultores locais quebraram. Em 1980, seus sobrinhos relançaram a obra, como forma de homenagear o jovem que dedicou a vida às letras.

Oscar Valzacchi (sentado à esquerda, em seu atelier), escultor que fez o Cristo

Parte é composta por versos publicados na imprensa e parte por material inédito na época. O autor buscava “um cantinho na biblioteca dos moços taquaritinguenses”, como escreveu na carta de apresentação do livro. Modéstia. Sua colaboração à cultura sobrevive em versos bem alinhavados. Entre as muitas dedicatórias do livro, proclamou sua gratidão pela cidade e sua gente: “A Taquaritinga, terra onde me fiz homem, e a todos os que nella habitam, esta lembrança de quem mais não lhes pode dar”.

Passados 60 anos, tanto a praça quanto a escultura de braços abertos já andam merecendo uma reforma e um projeto de iluminação. São providências que viriam em boa hora, para acompanharem a já divulgada remodelação do velório municipal. Também seria ótimo se, em respeito à história, a Prefeitura instalasse uma placa de identificação que contasse um pouco sobre os homenageados.

Quem sabe assim o local volte a ser parecido com aquele descrito por José Romanelli naquela noite feliz de 1950: “Como presente de Natal, como já disse, esta bela e moderna praça. Duas vezes bela e duas vezes sugestiva porque, a par das suas linhas geométricas bem delineadas, ornada de flores, luzes e imagem de Cristo a lembrar os princípios e da fraternidade, universal entre os homens, tem como patrono o nome muito querido de Narciso Nuevo, do Narciso que tanto quis bem a Taquaritinga, do Narciso que foi poeta e como poeta ‘sonhou e amou na vida’.”

POESIA – NARCISO NUEVO

QUE IMPORTA?

Que importa para mim se atrás de um beijo

Encontre o gume afiado de uma espada?

Que importa se saciando o meu desejo

Eu tenha esta carcaça atravessada?

 

Meu fim será fatal, bem o prevejo,

Que bem jamais findou paixão culpada.

Mas olha, a morte assim é quanto almejo:

Morrer por meu amor, por minha amada!…

 

Que importa se de alguém a rude sanha

Com a vida me arrebate o sonho lindo?

Se em teus braços eu for – ó sorte estranha!

 

Entre golpes e beijos me esvaindo?…

– Sou filho de hespanhol e lá na Hespanha

    Quem morre por amor, morre sorrindo!…

Compartilhe esta notícia: