Artigo: Nem sob o supino
Por: Carlos Galuban Neto *
Sempre que assisto a uma cena de tortura no cinema ou na TV, reflito sobre meus limites físicos. Até que ponto eu suportaria antes de começar a revelar meus maiores pecados ao torturador?
Recentemente, comecei a frequentar uma academia de ginástica e a resposta não poderia ter sido mais desanimadora: minha resistência a sofrimentos físicos é assustadoramente baixa. Fossem as academias como as escolas de inglês, em que fazemos testes de nivelamento antes do início das aulas, eu teria ficado na turma “Hidroginástica em piscina rasa”. Ou, com um pouco mais de sorte, quem sabe não conseguisse uma vaga em “Pilates para iniciantes”.
Já no alongamento, ao tentar – sem sucesso – encostar minhas mãos nos joelhos, percebi que a missão de não cometer inconfidências seria árdua: revelei que, em algum momento do passado, acreditei que o Partido Novo poderia representar um sopro de liberalismo verdadeiro (aquele por inteiro, e não a excrescência do liberal na economia e conservador nos costumes), e não o bolsonarismo de roupa social ao qual, bem sabemos, figurões do partido – exceção honrosa feita a João Amoêdo – aderiram nas eleições de 2022.
Iniciados os abdominais, a incontinência verbal retornou e, com ela, a revelação de que, em determinado momento da Operação Lava Jato, via em Sérgio Moro um sujeito bem-intencionado, sem interesses ou projetos políticos, cujos eventuais excessos e equívocos na condução de processos criminais poderiam ser facilmente superados pelos benefícios vindos do combate à corrupção.
Ruborizado, em razão do imenso esforço físico e da vergonha pelas falhas confessadas, iniciei a caminhada na esteira. Atingida a velocidade de 5 quilômetros por hora, cedi ao desespero e, já sem fôlego, gaguejei que, embora jamais houvesse cogitado votar nele, acreditei que Jair Bolsonaro – a despeito das atrocidades ditas ao longo da infame carreira como deputado – poderia, uma vez presidente, curvar-se à liturgia do cargo, moderando posições e construindo consensos. Ainda não sabíamos que, na verdade, a liturgia do cargo é que se ajoelharia indefesa diante de um sujeito que, embora não sujeito às torturas que tanto defende, era capaz de dizer e cometer as mais terríveis infâmias.
Vieram então os agachamentos. Os leitores que já fizeram o exercício sabem que se sentar em uma cadeira imaginária é muito pior do que fazê-lo em espinhos, então não é surpresa que, logo na primeira repetição, relembrei que, durante a última campanha eleitoral, cheguei a crer que Lula faria um governo mais pragmático na economia, deixando de lado os entusiastas do desenvolvimentismo e retornando às raízes de seu primeiro mandato – mais Palocci, menos Mercadante. Mais apego às evidências, menos terraplanismo e cloroquina econômicos.
Diante da derradeira confissão, o treinador provocou: já está começando a achar que o Bolsonaro era uma alternativa melhor? Ah, leitor, uma mentira dessas não digo em voz alta nem mesmo sob o supino.
*Carlos Galuban Neto é advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.