Artigo: Em meio ao caos, a esperança
Por: Rodrigo Segantini*
Na semana passada, vi uma imagem que me machucou muito e creio que por muito tempo levarei em meu coração. Um pai segurava a mão de sua filha adolescente morta, soterrada pelos escombros de sua casa após o terremoto que devastou a Turquia. Segundo consta, o repórter fotógrafo Adem Altan, da AFP News Agency, estava registrando a tragédia, quando Mesut Hancer pediu para que fosse fotografado. Ele não queria que a memória de sua filha Irmak fosse esquecida, queria que desta desolação toda fosse preservado o Amor por aquela menina.
Mesut não deixou sua filha. Mesmo ela estando morta, o pai permaneceu a seu lado, de mãos dadas. Não quis deixá-la, abandoná-la, não quis que ela fosse esquecida. O Amor do pai transcendeu a própria vida da filha. O jornalista que foi capaz de registrar essa cena com tanta sensibilidade e respeito, atendendo ao pedido de um homem fatigado pela imensurável perda que sofreu, conseguiu traduzir em uma única cena captar uma daquelas imagens que contém em si todo um momento histórico. Para sempre, quando disserem sobre o terremoto na Turquia em fevereiro de 2023, o que virá à nossa mente será exatamente esse quadro: Mesut Hancer segurando a mão de sua filha adolescente Irmak, presa sobre os escombros de sua casa, morta enquanto dormia em sua cama.
Não há dúvidas que o terremoto foi uma calamidade. 37 mil pessoas morreram por conta disso, cidades inteiras foram arrasadas, praticamente apagadas do mapa, sem que nenhum prédio tenha ficado de pé ao final de tudo. Agora, aparecem pessoas dizendo que faltava um plano de resposta para situações como essa, que não houve diligência das construtoras e dos engenheiros na observância de métodos construtivos confiáveis e seguros nos prédios que desabaram, que as autoridades se omitiram na fiscalização e na execução de obras que ruíram. Nada disso fará o tempo voltar para apagar os horrorosos números registrados ou minorar a dor de quem foi vitimado por esse flagelo. Esse tipo de debate só serve para desviar a atenção que devemos empenhar em nossas preces e em nossa energia em prol de quem está sofrendo tudo isso.
E, particularmente, quando reflito sobre esse terremoto na Turquia, o que penso é nesta cena de Mesut Hancer segurando a mão de sua filha Irmak, pois a partir dela reflito sobre mim, meu filho Arthur e nosso relacionamento. Porque acredito que não seja segredo para ninguém que eu e meu filho, em nossa caminhada pela vida, encaramos terríveis tragédias. Nenhuma delas, no entanto, foi capaz de nos fazer soltarmos nossas mãos. Acredito que nem mesmo se o mundo desabassse sobre nossas cabeças isso nos separaria. Foi assim também com Mesut Hancer, que não soltou a mão de sua filha Irmak nem mesmo quando a laje de sua casa caiu sobre eles. Aconteça o que acontecer, quem ama não solta a mão mesmo diante do maior perigo, quem ama dá mão no momento da maior necessidade.
São em situações trágicas e terríveis como essa, do terremoto da Turquia, tal como quando seu filho está na UTI neonatal entre a vida e a morte ou quando sua esposa está em coma há 500 quilômetros da cidade onde você vive e trabalha, que o ser humano é efetivamente colocado à prova. São em circunstâncias assim que temos que encontrar em nós mesmos mais do que a resiliência como atributo válido em nossos caráteres, a esperança que acalenta nossos corações. Sem dúvida alguma, é no caos que somos capazes de ver a esperança.
Não há heróis se não há tragédias. As grandes provas de heroísmo, de valentia e de coragem acontecem em campos de batalha, em meio a desastres, durante momentos difíceis. Épocas de calmaria, de marasmo ou de inércia, por mais que sejam preferíveis e desejáveis, na verdade, porque não exercitam o vigor de nossas almas, facilitam as ocorrências de fracassos ou marcam tempos de declínio moral. Sem dúvida alguma, a humanidade não avança porque corre rumo ao progresso, mas porque a vida lhe surpreende com seus safanões. São nas sovas em que o destino nos surra impiedosamente que permitimos que se aflore o melhor que temos em nossas almas.
Pouco importa quem era Mesut Hancer antes, nem importa quem ele será depois. Para sempre agora, ele será um símbolo da paternidade, do pai que não deixa seu filho nem no momento derradeiro, nem quando o mundo desaba sobre sua cabeça. Eu, que vivi uma situação semelhante, tenho essa marca até hoje em meu coração, de tal forma que uma imagem como essa registrada pelo fotógrafo Adem Altan é capaz de me provocar. Porém, se não importa quem era Mesut Hancer, para seu filho, sem dúvida nenhuma, importa quem é você. Pense nisso. Será que é preciso um terremoto derrubando tudo ao seu redor para que você assuma seu papel de pai, realmente?
*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.
**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.