17 de novembro de 2024
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Artigo: Que vença o Marrocos!

Por: Rodrigo Segantini*

Enquanto escrevo essas linhas, não houve ainda o jogo do Brasil contra a Croácia. Esperando sinceramente que a esquadra auriverde tenha êxito no embate que travará contra os eslavos, quero tratar aqui de uma outra seleção futebolística que surpreendentemente tem me chamado a atenção: o Marrocos.

Depois da fase de grupos na Copa do Qatar, o Marrocos foi a única seleção islâmica-árabe que se manteve no certame, além de ser a única africana, representando uma fatia da população mundial correspondente a mais de 40% da quantidade de habitantes hoje no planeta. Assim, sem dúvida alguma, tornou-se o time com a maior torcida, contando com quase quatro bilhões de pessoas vibrando a seu favor, sem contar que, de alguma forma, está jogando em casa, já que o próprio Qatar é um país árabe de tradições islâmicas.

Primeiramente, é importante fazer uma distinção. Nem todo árabe é islâmico. Os árabes são um grupo étnico semita, nativo principalmente do Oriente Médio e da África setentrional, originário da península Arábica. Já os islâmicos, também chamados de muçulmanos, são os que seguem o islamismo, uma religião. Árabe é um conceito étnico, geográfico; islâmico é um conceito religioso. Como exemplos desta diferença, podemos dizer que há árabes que são cristãos, assim como há muçulmanos que são europeus.

Já na fase das eliminatórias, nas oitavas de final, os marroquinos encontraram um adversário de longa data: a Espanha. Quem conhece a cidade espanhola de Ceuta entenderá o que estou dizendo. Trata-se de um enclave pertencente à Espanha, mas cercado pelo Marrocos por todos os lados. É uma mancha europeia no continente africano, uma mordida castelhana no reino árabe. Muitos africanos tentam fugir de nossas terras e imigrar clandestinamente atravessando a fronteira entre Espanha e Marrocos que há no entorno de Ceuta, que, claramente por isso, é cercada por um muro como Donald Trump sonhava fazer no sul dos EUA para separar seu país do México. Por essa razão, podemos supor que marroquinos não tem grande simpatia pelos espanhóis e, assim, ter uma ideia do gosto que teve para eles eliminar a Espanha da Copa do Mundo.

Agora, nas quartas de final, quem enfrentará os mouros será o time de Portugal, que também guardam uma certa mágoa desta turma. Desde o século XVI, os portugueses esperam o retorno de seu rei Dom Sebastião, que foi até o Marrocos para lutar uma guerra e nunca mais voltou, desaparecendo na batalha de Alcacer-Quibir. Naquela época, Portugal detinha terras na África e, para tentar conter uma revolta que estava havendo por lá e afim de buscar novas posses, o próprio rei de então, Dom Sebastião, foi até o Marrocos liderar suas tropas, mas, em 1578, se perdeu, razão pela qual seu trono foi declarado vago. Assim, quem tomou o trono de Portugal foi Felipe, tio de Sebastião e Rei da Espanha, o que proporcionou o surgimento da União Ibérica, com a junção das coroas dos dois países. Magoados com os árabes e sobretudo com os marroquinos e discordantes em ter que se submeterem aos espanhóis, por anos os portugueses esperaram pela volta de Dom Sebastião – e, de certa forma, há quem o espere simbolicamente até hoje, havendo inclusive um movimento místico com um quê de lendário, chamado “sebastianismo”.

Assim como Marrocos não teve pudores de eliminar sua desafeta Espanha, que lhe traz tanto desconforto com seus enclaves marcando suas terras, parece-me que os marroquinos poderão se empenhar para se levantar com força contra seus antigos colonizadores portugueses, enquanto Portugal poderá vingar a derrota de Dom Sebastião, impondo ao Marrocos a mesma humilhação que sentiu há quase 450 anos quando lhe tomou seu rei e o fez se submeter a um monarca estrangeiro. Imagino, mesmo podendo estar enganado ou podendo depois ser derrubado pela evidência dos acontecimentos, que será um jogo incrível, da técnica contra a garra, da experiência contra o ânimo e da lógica contra os fatos. O imponderável a partir de uma vitória de Marrocos perante Portugal é tão improvável quanto foi o resultado favorável aos árabes em face da Bélgica e da Espanha.

Evidentemente, torço pela seleção brasileira e quero que ganhemos a Copa do Mundo, tornando-nos os hexacampeões. Mas não deixo de admirar o fato de que Marrocos pode se tornar a primeira seleção de futebol de um povo árabe, de um povo islâmico e de um povo africano a chegar nas semifinais deste torneio e ser um dos quatro melhores times do mundo. Para isso, Marrocos só precisa vencer Portugal.

Quem diria que uma Copa do Mundo teria tanta utilidade para que você, neste final de semana, pudesse aprender sobre História, Geografia, Religião e Direitos Humanos a partir do desempenho do Marrocos, hein?

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.