Artigo: Independência e liberdade
Por: Rodrigo Segantini*
Há 200 anos, Dom Pedro, então príncipe de Portugal, declarou a independência do Brasil. Seu pai, Dom João VI, que era português, estaria cedendo a pressões políticas das lideranças de seu país e teria avisado ao filho que algumas providências deveriam ser tomadas em breve nas relações entre a metrópole e a colônia. Os brasileiros se sentiram afrontados e inspiraram Dom Pedro a romper os laços com a pátria-mãe e iniciar aqui uma nova nação. Foi assim, então que surgiu o Brasil, quase como é até hoje e como conhecemos, a partir do grito às margens do riacho Ipiranga, chamando os compatriotas a lutarem pela independência, ainda que isso os levasse à morte.
Portanto, o Brasil surge em uma busca pela liberdade. O que motivou Dom Pedro a estabelecer nosso país claramente foi a visão de que nossa gente é capaz de sustentar uma nação grandiosa como o Brasil se propõe a ser e, para isso, é imprescindível a liberdade. A data que marca tal efeméride é, sem dúvida, algo que deve mesmo ser celebrado, o que de fato fazemos ano a ano.
Porém, desta vez não é uma oportunidade qualquer. Em 2022, marca 200 anos de quando o evento da Independência do Brasil aconteceu. 200 anos. Uma data redonda, uma data grande, um marco em uma vida. Há uma história a ser contada em torno de tudo isso. Por isso, deveríamos celebrá-la de forma ainda maior do que usualmente fazemos.
Não foi o que houve. O Governo Federal não cuidou de preparar um festejo à altura de 200 anos de independência. O presidente Bolsonaro estava mais preocupado em promover o seu comício eleitoral, em sua luta pela sua reeleição.
O evento que deveria ter a solenidade que merece a estatura do acontecimento histórico celebrado foi reduzido a um discurso com uma sugestão subliminar a respeito de um golpe e a uma demonstração ridícula a respeito dos dotes digamos “maritais” (por falta de uma palavra mais apropriada que não seja grotesca) do próprio presidente, ladeado por um empresário vestido como o personagem que pretende incorporar em um misto de empreendedorismo e nacionalismo, enquanto de escanteio estava o presidente de Portugal que, tendo vindo prestigiar a efeméride, foi ele próprio de certa forma desprestigiado.
Durante a solenidade presidida por Bolsonaro para celebrar os 200 anos de Independência da nação que lidera, não houve uma palavra sobre o contexto histórico do acontecimento celebrado, mas foi rememorado que, dentre as datas em que a liberdade do país foi exaltada se encontrava o ano da instauração do regime militar em 1964. Da mesma forma, deixou-se de falar a respeito dos heróis da pátria que lutaram para construir o Brasil, muitos dos quais com o comprometimento de suas próprias vidas, porém foi exaltado em coro puxado pelo próprio líder nacional sua virilidade.
Enquanto acompanhei essa patacoada promovida com o verniz de um ato patriótico, pensava se era isso mesmo que José Bonifácio, patrono da independência do Brasil, tinha em mente quando instigou Dom Pedro e as lideranças da época a tomarem as providências que deram a liberdade de nossa gente. Sinceramente, acredito que o próprio príncipe português ao buscar se tornar monarca brasileiro não teria a mesma ideia ao pensar que seu brado retumbante às margens do Ipiranga em nome do povo heroico do qual acreditava estar à frente se tornaria na verdade de uma ufanada proclamação a respeito das virtudes de um regime ditatorial que vitimou milhares de compatriotas ou que na celebração de sua memória haveria uma multidão usando um termo chulo em um contexto vulgar para saudar a autoridade máxima deste país.
Você pode concordar ou não com a política implementada por Bolsonaro à frente do governo federal. Você pode ter verdadeira repugnância de Lula e rejeitar os demais candidatos a presidente ou ainda amar qualquer um dos concorrentes a presidente. Tanto faz. Esse texto não é sobre eleições, sobre a campanha eleitoral, embora tudo tenha ocorrido de forma grotescamente a favorecer a candidatura do atual ocupante do cargo. O que esse texto quer dizer é que seja de qual lado partidário você for, seja qual for sua predileção ao voto para presidente em outubro, não vejo como é possível qualquer pessoa com o mínimo de razoabilidade achar que é razoável ou até mesmo aceitável a forma como o aniversário de 200 anos da Independência do Brasil foi celebrado.
Um país verdadeiramente independente não precisa de mitos. Precisa de um governo decente. E por governo decente entenda-se um que não roube, mas que também não cometa, nem fale indecências. Pobre Brasil, que no dia de sua independência, descobre que ainda não pode celebrar ser um país verdadeiramente livre.
*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.
**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.