Artigo: O que não deve ser dito
Por: Rodrigo Segantini*
O deputado estadual Arthur do Val, conhecido pelo cognome “Mamãe Falei”, aproveitando-se do momento de comoção em torno da guerra havida entre Rússia e Ucrânia, se dispôs a ir à zona de conflito como um mártir e acudir às vítimas do conflito e lutar contra os opressores. Após seu anúncio a respeito desta sua providência, o moço foi incensado ao posto de herói, como exemplo de guerreiro que luta ao lado dos fracos e oprimidos.
Porém, estando lá, do outro lado do mundo, o rapaz mandou um áudio para um grupo de amigos por meio de um aplicativo de mensagens “elogiando” as ucranianas que encontrou em sua jornada pelo leste europeu. Falando um palavreado de baixíssimo calão e de forma completamente despudorada, disse que aquelas mulheres que estão sofrendo por estarem envolvidas em uma guerra, que estão sofrendo por buscarem refúgio possuem uma beleza incomum. Em meio a esta sua colocação totalmente inoportuna, o deputado disse que poderia se envolver facilmente com uma destas “beldades” porque elas seriam “fáceis”, já que, segundo ele, seriam “pobres”.
Ou seja: em uma tacada só, Arthur “Mamãe Falei” do Val conseguiu objetificar as mulheres ucranianas, sem qualquer empatia com sua condição psicológica sobretudo em vista do momento e do contexto em que vivem, e desnudar a masculinidade tóxica que há em seu caráter, a despeito de seu posicionamento como cidadão do mundo consciente e que vai à guerra para lutar pela democracia. Por causa disso, políticos e influenciadores se levantaram e atiraram pedras no moço e, compreensivelmente, sua namorada terminou o relacionamento que mantinham.
Claro que é assustador o posicionamento de Mamãe Falei e merece total repúdio de todos nós. Nada justifica ele ter falado o que falou, pouco importa para quem e em que ambiente ele tenha feito isso. Foi errado e ele tem mesmo que pagar por seu erro. O linchamento moral que Arthur do Val tem sofrido é algo impressionante, mas é típico do tempo em que vivemos e do qual ele, que é youtuber e influenciador digital, deveria saber. Vou poupar o leitor amigo do meu julgamento e de minhas impressões a respeito do deputado e do que ele falou porque já há gente demais falando sobre isso e, em geral, como disse acima, concordo com o repúdio manifesto a sua atitude e entendo que isso desencadeia consequências com as quais Mamãe Falei deverá arcar e saber suportar.
No entanto, o que quero chamar a atenção de todos que chegaram até aqui neste texto é sobre como essa situação chegou a tal ponto. Aparentemente, Arthur do Val mandou áudios em um grupo de amigos por meio de um aplicativo de mensagens. Achando que falava com pessoas nas quais poderia confiar, o rapaz falou de modo descontraído sobre temas controversos, imaginando que isso jamais iria além do círculo de pessoas que havia ali. Sem dar razão alguma para seu ponto de vista, certamente Mamãe Falei jamais imaginou que um de seus supostos amigos vazaria seu inconveniente pronunciamento, tornando-o público.
A despeito de tudo de nocivo que Arthur do Val fez, algo que ninguém está falando é da traição que ele sofreu. Em uma roda de amigos, o moço falou uma bobagem. Em tempos de redes sociais, em que tudo é gravado em áudio, vídeo e fotos, sua fala foi remetida a um grupo de pessoas que o deputado achou que poderia confiar. Descobriu da pior maneira que não se pode confiar em ninguém. Já dizia o profeta Jeremias, no versículo 5 do capítulo 17 de seu livro bíblico, “maldito o homem que confia no homem”.
O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein afirmava que tudo o que pode ser pensado pode ser dito, mas sobre o que não se pode falar não se deve nem sussurrar. Arthur do Val pode pensar o que quiser sobre as ucranianas durante o tempo em que esteve lá na zona de guerra entre Ucrânia e Rússia, mas não deveria nem sussurrar a respeito disso, já que não pode falar nos termos que se colocou. Que ele tenha aprendido a lição e que isso sirva de aprendizado para todos nós: fale pouco, não confie em ninguém e não faça nada que não possa admitir em público. Assim, seja na Ucrânia ou no Brasil, seja em tempos de guerra ou em tempos de paz, você estará livre de encrenca.
*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.
**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas nacionais e mundiais e de refletir as distintas tenências do pensamento contemporâneo.