Artigo: Os demônios de Dostoievski
Por: Rodrigo Segantini*
Fiodor Dostoievski é o mais genial dos escritores russos e um dos mais brilhantes autores do mundo. Sua visão crítica do mundo nos proporcionou livros como “Crime e Castigo” e “Os Irmãos Karamazov”. Mas há um livro que pode nos interessar, particularmente neste momento que nosso país atravessa, e não é tão conhecido assim: “Os Demônios”.
Em “Os Demônios”, Dostoievski conta a história de um professor aposentado que vê crescer em sua cidade movimentos extremistas. Como uma pessoa intelectualizada, ele tem simpatia por um dos lados. No entanto, como alguém que sente inconformado com os rumos da política local, ele também tem simpatia pelo outro lado. No final das contas, o personagem principal é visto por ambos os movimentos como alguém tolo, massa de manobra e que só serve para dar corpo aos pleitos do grupo do qual faz parte. Os demônios que dão título à obra, ao final nos damos conta, são os líderes políticos que se aproveitam do povo para seus interesses próprios com a desculpa de estarem defendendo seus interesses particulares.
Atualmente, no Brasil, parece que temos dois tipos de pessoas bem claros em qualquer rodinha de conversa em que vamos, em qualquer grupo de oração que frequentamos, até mesmo em reuniões familiares e confraternizações de fim de semana da turma da firma: aqueles que defendem Bolsonaro e aqueles que são contra Bolsonaro. Se pararmos para pensar como era o país quatro ou cinco anos atrás, vamos lembrar que era a mesma coisa com Lula/PT: havia aqueles que defendiam Lula e o PT e aqueles que eram contra o Lula e o PT.
Curiosamente, muitos dos que defendiam Lula, hoje defendem Bolsonaro. Fazem isso porque querem seguir na crista do poder, surfando nas benesses que o governo pode lhe proporcionar por apoiar o governante de plantão. Tal como um demônio maléfico, ele vende seu apoio em troca da alma do povo. Tal como um personagem da obra de Dostoievski, o sujeito que briga com amigos e familiares por causa de política, por causa de Lula ou por causa de Bolsonaro, não se dá conta que é visto por aquele a quem defende com tanto afinco como nada além do que bucha de canhão, boi de piranha, massa de manobra.
A razão para o pobre professor aceitar se envolver em uma situação tão cruel, na qual sua ideologia é disputada por dois partidos antagônicos como se houvesse uma disputa de anjos maus pela conquista de sua alma, é descrita por Dostoeiviski porque o homem, quanto pior vive ou quanto mais desamparado ou mais pobre é seu povo, mais obstinadamente sonha com a recompensa no paraíso. Isso quer dizer que a maldade se alimenta da tristeza das pessoas que buscam sem sucesso pela felicidade.
Isso não quer dizer que a busca pela verdadeira felicidade é impossível. Quer dizer que, como o afamado autor russo também disse em seu livro ora em análise, a verdade sempre é inverosímil, sendo necessário misturá-la a um pouco de mentira para que possa ser aceita. Por isso, o homem tenderia mais em acreditar em uma notícia mentirosa que condiga com aquilo que ele acha que seja verdade do que mude de ideia ainda que esteja enganado se isso colidir com suas crenças pessoais. Por isso que um petista jamais dará o braço a torcer a um bolsonarista e vice-versa.
Assim, enquanto perdemos tempo discutindo sobre se o voto deve ser impresso, se a urna eletrônica é auditável, se Lula é culpado ou inocente, enquanto marcamos aglomerações para protestar em 07 de setembro apesar de estarmos vivendo tempos da pior crise sanitária dos últimos cem anos, os demônios brindam em reuniões que os corações e mentes dos brasileiros são cedidos envoltos em bandeiras amarelas ou vermelhas. Nós nos achando grandes ideólogos, nos achando os últimos bastiões da sanidade em meio a tanta insensatez, vamos sendo feito de tolos, como personagens de um romance de Dostoieviski.
*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.
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