Artigo: As expectativas do consumidor e a cadeia de valor no varejo
Por: Fernando Gambôa*
Diante do início da pandemia, todas as evidências dos últimos meses sugerem que estamos testemunhando a evolução do varejo tradicional para um comércio voltado para o consumidor. Nesse novo formato, cada vez mais, as expectativas do cliente ditam o modelo, a demanda molda a cadeia de valor e as empresas voltadas para o consumidor oferecem produtos e serviços sem terem antes passado pela tradicional abertura de uma loja.
Nesse cenário de um comércio voltado para o consumidor, os varejistas tradicionais ainda muito posicionados em lojas físicas irão competir com empresas que fazem uso intensivo de dados e tecnologia para otimizarem seus processos e operações. Em alguns casos, o único denominador comum entre eles será o fato de venderem produtos e serviços. As empresas baseadas em lojas irão competir com marcas exclusivamente digitais e híbridos semelhantes.
É claro que as mudanças relacionadas à pandemia nas expectativas dos consumidores têm influenciado as decisões dos modelos de negócios para muitos varejistas. A necessidade tática imediata na pandemia era mudar o caminho para a compra e criar ou expandir as possibilidades de comprar online e retirar onde fosse mais conveniente ao cliente, sendo loja própria ou qualquer outro local.
A experiência do cliente também exigiu foco urgente na pandemia, mas em muitos casos isso continua sendo um trabalho em andamento. Na verdade, parece haver um reconhecimento de que, de modo geral, os clientes ainda não estão totalmente satisfeitos com as experiências omnichannel (uso simultâneo e interligado de todos os canais de comunicação) e digital que estão recebendo hoje. Expectativas não atendidas sobre entregas e atendimento também estão criando desafios para o setor, sendo estes os principais motivos de reclamações por parte dos clientes.
Durante a recente Elevate Conference, realizada na Índia, o diretor de informática da Target, Mike McNamara, falou sobre os desafios de proporcionar aos clientes uma experiência excepcional e consistente em ativos físicos e digitais. Para a Target, a resposta foi construir os próprios sistemas, recursos e ferramentas para combinar essencialmente todos os dados do cliente em um só lugar. McNamara admitiu ainda que essa estratégia pode não ser prática para varejistas com orçamentos de tecnologia da informação menores. Para muitos, as parcerias podem oferecer um caminho mais viável e adequado no curto prazo.
Vários varejistas também estão falando sobre como utilizam a ferramenta de análise de dados para priorizar os investimentos e recursos dos clientes durante os lockdowns. Eles permanecem profundamente focados em garantir que os consumidores mais valiosos e vulneráveis sejam atendidos adequadamente durante a crise. E estão aproveitando rapidamente os dados deles e os recursos analíticos para fazer isso. Importante ressaltar que apesar de fundamental, a utilização dos dados deve ser feita de forma ética e correta, respeitando a privacidade dos consumidores e estando totalmente alinhados com as diretrizes contidas na LGPD. A indústria também está notando e percebendo o impacto na experiência do cliente daqueles que, presumivelmente, foram considerados de menor prioridade. A conexão entre o propósito e a evolução do mercado de comércio para o consumidor é clara.
A paisagem também está sendo transformada pela mudança de expectativas da geração Baby Boomer que se refere às pessoas nascidas entre as décadas de 40 e 60. Durante toda a pandemia, eles permaneceram os mais estáveis financeiramente. No entanto, também são os mais preocupados com os riscos da covid-19 para a saúde. A adoção de canais digitais representa uma grande mudança nos padrões de compra para um grupo importante. Os varejistas continuam lutando contra as implicações, a escala e o ritmo dessa mudança. Esses consumidores não têm sido tradicionalmente o foco das campanhas de marketing digital e iniciativas de melhoria da experiência do cliente. Muitos varejistas agora estão explorando como podem reequilibrar a alocação de capital e atualizar as estratégias de marketing digital para atender as necessidades desse grupo e dos demais.
* Fernando Gambôa é sócio líder da área de consumo e varejo da KPMG.