Artigo: Dia das Mães
In memoriam Idiná Maria Marques Cedran.
Por: Paulo Cesar Cedran*
Arrumei sua gaveta na penteadeira, coloquei em ordem seus batons, pentes, grampos, presilhas. Bijoux tanto, eram poucas, ela não gostava muito. Mas deixei ali a cartela do comprimido que ela tomava ao se levantar. Na cabeceira de sua cama, o pote com talco Alma de Flores, segundo ela trazia recordações de sua mãe. Sob a penteadeira ainda, um vidro de colônia Mauá e colônia Rastro. Era o que lhe bastava. Bastante protetor solar e um creme de mãos para seu cuidado de mulher e de mãe.
Volto ao criado mudo e encontro em sua gaveta, toalhas pequenas, lenços de linho, bordados delicadamente, e abaixo, caixa de seu remédio para dormir, ainda com um comprimido partido ao meio, que ela tomava por volta das duas da manhã, para continuar a dormir tranquilamente. Acordar por volta das seis e meia, fazer o café, comer pão quentinho, ir para a academia, voltar para casa, lavar roupas, descansar. Lavar roupas, sua grande paixão. Para isso, ela buscava se municiar de uma verdadeira alquimia e um aperfeiçoamento dos saponáceos usados. Tinha sua marca preferida, mas gostava de fazer sabão com receitas aprendidas na Internet e vídeos preferidos. Ela os fazia assim, mexendo, dando o ponto, cortando, feliz em utilizar o óleo reciclado e se reinventando.
Quando se tornou avó, essa paixão pelo cuidado pelas roupas foi o que a levou a buscar na casa de meu irmão, as roupas dos netos para lavar e sentir-se feliz, vendo varais cheios de roupas de criança, segundo ela, isso lembrava o tempo de sua maternidade e aí vinham as infinitas histórias de fraldas lavadas e alvejadas, roupas infantis, por ela costuradas, cueiros, fraldas plásticas, coisas que nem existem mais, mas ficaram ali na sua memória e em nossas vidas quando narrava o seu amor em ter sido mãe.
Cozinhar, minha mãe não gostava muito, mas quando fazia seus pratos preferidos, ela se encantava. Alumínios areados, para se espelhar nas panelas, panos de prato, branquíssimos e só os queria brancos mesmo. Aqueles feitos de sacos de algodão para serem alvejados, quarados, lavados e tornarem-se brancos em seu varal de roupas. Lavar, esfregar, limpar, fez desses serviços, sua arte. Foi servente de escola até sua aposentadoria. Essa vida simples e feliz voltada para o cotidiano da família, foi a sua felicidade. Uma felicidade clandestina, bem ao estilo narrado por Clarice Lispector, mas que fatalmente foi interrompida, depois da descoberta de sua enfermidade.
Endoscopia, “retirei uma parte do tumor, para a biopsia – pode ser câncer na cárdia”, disse o médico. Aguardando ela ser liberada, liguei para o meu irmão com as palavras fatais do médico, ressoando em minha cabeça. Nesse momento nosso mundo veio ao chão. Nos abraçamos, pedimos forças para esperar o diagnóstico, e junto com ele, prognósticos, cirurgia, melhora e cura.
Ouvindo o diagnóstico do médico, minha mãe aceitou e enfrentou o desafio. Aí começou o seu calvário. Operada em novembro, falecida em janeiro. A mãe morreu! Como, impossível, as mães não podem morrer jamais. Recebi a ligação do hospital: o senhor pode comparecer? Sim, respondi, pois já sabia o que ia ouvir. Na frieza desse momento, só queria saber onde ela estava, para lhe dar meu último beijo, tocá-la e me despedir. Papeladas, documentos e entrega de seu prontuário hospitalar; tudo estava ali, leve com você. Só não estava ela, que não mais podia nos levar. Encontramo-la inerte, sem vida.
Eu e meu irmão nos abraçamos, choramos, beijamos, acariciamos seus cabelos, sentimos pela última vez o seu cheiro, tocamos suas mãos que tanto nos acariciaram, seu rosto, seu corpo, seu ventre, seus pés que nos sustentaram e partimos. Velório, sepultamento… Onde está minha mãe? Não acredito que esteja lá no cemitério, mas que esteja aqui, viva, no seu quarto, em sua casa, no seu lugar e no seu lar, onde escuto, o murmurar de uma afirmação sua, tão simples e verdadeira, que só poderia vir de uma mulher de coração puro.
Certo dia, olhando para o varal cheio de roupas dos netos, ela disse: Quando tudo estiver seco e passado, eu e seu pai vamos levar as roupas para Guariba e ver o Rafael e o Pedro; nossa eu estou tão feliz nestes últimos anos, que nem acredito que estou vivendo tudo isso, que mereço tudo isso, que bom…Mas a felicidade dura pouco, como diz o poeta: Tristeza não tem fim, felicidade sim.
Para esse primeiro dia das mães, sem a minha mãe, de onde desejarei felicidade pelo seu dia? Proforma – na frieza do cemitério, com algumas flores e velas em seu túmulo. Mas não será aí, que direi felicidade pelo seu dia, será em sua casa, com seus netos em sua família, em mim mesmo, que direi: Felicidades Mãe, na rosa que plantarei no jardim do quintal que ela amava cultivar, no plantio de mudas, ainda feitas por ela e que, agora, brotam para serem plantadas no quintal, no meu coração desejarei: Feliz Dia das Mães.
*Paulo Cesar Cedran, Mestre em Sociologia e Doutor em Educação Escolar.
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