A Literatura explica: ainda o preconceito
Por: Prof. Sergio A. Sant’Anna*
“Deixem os meus cabelos, brancos!”, era o título de uma das muitas composições engajadas de Chico César. Deu destaque a um de seus álbuns. E fez com muitos refletissem, inclusive gramaticalmente. Porém, na semana passada li uma reportagem que afirmava o seguinte: “O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro acolheu o recurso de Val Marchiori contra a condenação por danos morais após ofensas à cantora Ludmilla. A socialite tinha sido condenada a uma indenização de R$ 30 mil por comparar o aplique que a artista usava no cabelo a uma palha de aço. A disputa entre Ludmilla e Val teve início em 2016, quando a cantora desfilava no Carnaval do Rio de Janeiro pela escola de samba Salgueiro. Trabalhando como comentarista do evento pela Rede TV!, Val comentou: A fantasia está bonita, a maquiagem… Agora, o cabelo… Hello! Esse cabelo dela está parecendo um Bombril, gente…”.
Tornou-se comum no Brasil o uso destas metáforas, antes difundidas aos borbotões e nunca combatidas, associando a denúncia a um ato de fraqueza por parte daquele que sofrera atos de racismo como aos acima mencionados. Aquele que sofria e aguentava calado era aclamado como forte. E assim o racismo se perpetuou através dessas brincadeiras insanas e preconceituosas. Normatizar tais situações, que só disseminam e estimulam atos preconceituosos, é praxe diante de alguns Tribunais da nossa Justiça. Em 2017 em uma palestra, o atual presidente da República, na época deputado federal, afirmou: “Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas (arroba é uma medida usada para pesar gado; cada uma equivale a 15 kg). Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve”. Apesar das representações o processo foi encerrado e o réu absolvido.
Neste sentido a Literatura Brasileira, através de diversos autores e suas obras vem combatendo de maneira efetiva e consistente essas atrocidades difundidas e referendadas pelo Poder Executivo e seus seguidores. Livros como: “Racismo estrutural”, de Silvio Almeida; “Pequeno manual antirracista”, Djamila Ribeiro; “Amoras”, Emicida; “Na minha pele”, Lázaro Ramos; “Olhos d’água”, da Conceição Evaristo; “O avesso da pele”, de Jéferson Tenório são apenas algumas destas obras que buscam a reflexão dos nossos leitores sobre o racismo disseminado em nossa sociedade. Nossa Literatura Brasileira denunciou este mal ao longo de séculos, principalmente, a partir do Romantismo. A Geração Condoreira, Terceira Geração do Romantismo, demonstrou a insatisfação e indignação diante da escravidão. Castro Alves e José do Patrocínio foram destaque; embora, Machado de Assis não tenha participado de maneira efetiva diante das suas obras, o naturalista Aluísio Azevedo, através de “O mulato” demonstrou sua preocupação com a situação do negro no Brasil, assim também com a miséria e os marginalizados, como exemplo podemos citar: “Casa de pensão” e “O cortiço”. O determinismo, vigente nestas obras, e no comportamento da população, foi o mal que alavancou e despertou o racismo que se encontrava velado.
Desta forma, há que se grafar a importância de Maria Firmina dos Reis e sua obra “Úrsula”, de 1859 considerado o primeiro romance brasileiro escrito por uma mulher maranhense e abolicionista. Cruz e Sousa e sua obra “Negro” em que o autor simbolista expõe sua condição de negro e a consciência de sua negritude devem ser referência. Doutora Honoris Causa, Carolina Maria de Jesus e seu “Quarto de despejo” são exemplos de que mesmo tardio o reconhecimento e o respeito acontecerão.
Que possamos pensar, diante de obras como estas, na necessidade do combate ao racismo e da nossa luta diária contra o preconceito.
*Prof. Sergio A. Sant’Anna – Professor de Redação nas Redes Adventista e COC em SC e jornalista.
**Os artigos assinados não representam a opinião de O Defensor!