21 de novembro de 2024
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Futebol brasileiro: clube-empresa pode ser alternativa para solução do endividamento das equipes

Por: Otávio Carvalho*

A crise econômico-financeira de grande parte dos clubes de futebol do Brasil não é novidade no noticiário esportivo. No topo da lista de endividamento, segundo estudo realizado pelo banco Itaú BBA, divulgado em setembro de 2018, estão gigantes do futebol brasileiro, como Botafogo-RJ (672 milhões), Atlético-MG (614 milhões), Vasco da Gama (496 milhões), Athletico-PR (478 milhões), Cruzeiro (469 milhões) e Corinthians (452 milhões).

Em linhas gerais, o endividamento é composto basicamente por débitos de natureza tributária, bancária, trabalhista e dívidas operacionais (fornecedores financiando atletas, por exemplo). Para melhorar a saúde financeira dos clubes, bem como recuperar tributos tidos como “perdidos” pelo fisco, diversas medidas foram tomadas pelo governo federal.

Entre elas está a criação do programa de parcelamento, conhecido como Timemania, instituído pela Lei 11.345/2006 e, posteriormente, o Profut, instituído pela Lei 13.155/2015, prevendo a possibilidade de parcelamento, em até 240 meses, das dívidas tributárias e, em até 180 meses, das dívidas de FGTS, além da redução de até 70% das multas, 40% dos juros e 100% dos encargos legais.

Hoje, quatro anos após o início do Profut, verifica-se que, embora diversos clubes tenham aderido ao programa, impulsionados pela facilidade de pagamento oferecida, o endividamento tributário continua a crescer. Isso porque a análise da questão tributária dos clubes não deve ocorrer de forma isolada, mas, sim, em conjunto com todos os demais componentes do endividamento dos clubes.

Nesse cenário, quando o clube está com uma dívida alta e com dificuldades de quitá-la, pode-se imaginar que uma boa saída seria o processo de recuperação judicial, haja vista a possibilidade de renegociação de dívidas de natureza bancária, trabalhista e daquelas obtidas junto a fornecedores, bem como o congelamento, pelo período de 180 dias (stay period), das cobranças que vinham sendo realizadas. Os débitos de natureza tributária não podem ser incluídos no processo recuperacional, por expressa vedação legal, no entanto, podem vir a ser objeto de revisão mediante a adesão a novos programas de parcelamento.

Todavia, mesmo que os clubes brasileiros movimentem expressivas quantias em dinheiro, a grande maioria, incluindo-se todos os grandes, organiza-se sob a forma de associação civil sem fins lucrativos. A Lei de Recuperação Judicial e Falência (11.101/2005), em seu artigo 1º, não permite que associações sejam beneficiadas pelo instituto, que é reservado apenas ao empresário ou à sociedade empresária.

Esse é um dos aspectos que reavivou a discussão a respeito do clube-empresa, protagonizada já na década de 90 com a Lei Zico (8.672/1993), que possibilitava a transformação do clube em empresa, e, posteriormente, com o advento da Lei Pelé (9.615/1998), que tornava obrigatória a transformação dos clubes em empresa, o que se tornou novamente uma faculdade no ano 2000, com a Lei 9.981/2000.

Pesa favoravelmente ao clube-empresa fatores como a profissionalização da gestão, que implica (i) no fim dos cargos políticos dentro das equipes, (ii) na possibilidade de abertura de capital para investidores, bem como (iii) na possibilidade de equalização do passivo por meio da recuperação judicial, fato que vem atraindo a atenção de clubes como o Botafogo-RJ, cujo endividamento saiu de 672 milhões em 2017/2018 para quase 750 milhões em 2019.

A lei recuperacional, em seu artigo 48, prevê a necessidade de exercício regular da atividade empresária pelo período mínimo de dois anos como condição ao pedido de recuperação judicial. Por “exercício regular”, entende-se aquele no qual as organizações se encontravam devidamente registradas como empresárias. Desse modo, utilizando-se mais uma vez o exemplo do Botafogo-RJ, caso o clube se torne empresa em janeiro de 2020, o pedido de recuperação judicial somente poderia ocorrer, em tese, a partir de janeiro de 2022.

Porém, esse hiato de dois anos existente entre o registro do clube como sociedade empresarial e a possibilidade do pedido de recuperação judicial poderá ser mitigado, assim como ocorre nos casos envolvendo produtores rurais. Isso porque referido prazo tem a finalidade de permitir a recuperação apenas daqueles que já detenham determinada expertise na execução da atividade empresária, que, como já mencionado no texto, não difere muito daquela já exercida pelos clubes, com negociações de jogadores na casa dos milhões de reais, por exemplo.

Verifica-se, portanto, que embora ainda não haja exemplos práticos de recuperação judicial de clubes de futebol no Brasil, a transição do modelo associativo para o modelo empresarial se apresenta como interessante mecanismo de reestruturação das equipes e de retomada do equilíbrio financeiro.

*Otávio Carvalho é advogado do escritório Dosso Toledo Advogados de Ribeirão Preto