23 de dezembro de 2024
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Artigo: A “comum” sociedade em comum

*Por Natalia Marques

A sociedade é um contrato que não precisa obedecer modelos específicos para ter validade. Isso quer dizer que, independentemente de registro dos atos constitutivos no órgão competente e até mesmo da elaboração de contrato social, duas ou mais pessoas, a depender da forma como se relacionam e se apresentam no mercado, podem ser consideradas sócias. Tal vínculo, quando configurado, será denominado “sociedade em comum”.

Para que haja uma sociedade, basta que as pessoas contribuam, de forma recíproca, com bens ou serviços para o exercício da atividade econômica definida e que os resultados financeiros dessa atividade sejam partilhados entre elas. A prova do preenchimento desses requisitos, entre os sócios, pode ser feita por qualquer meio escrito, como troca de e-mails e mensagens, contatos com fornecedores e clientes, emissão de notas fiscais, aquisição de bens com recursos conjuntos para a atividade econômica, entre outros.

As “sociedades em comum” são mais corriqueiras do que se imagina, seja para evitar trâmites burocráticos com a elaboração e registro dos atos constitutivos e observância das regras previstas na legislação para os entes sociais, seja por desconhecimento de que a constituição de sociedade independe do cumprimento de requisitos formais.

A problemática é que, sem a regulamentação da relação entre os sócios por contrato social, eventuais disputas e discordâncias, inclusive quanto ao direito à percepção dos lucros da atividade econômica, ao dever de arcar com as dívidas relacionadas à empresa e à titularidade dos bens sociais, requerem a intervenção do Poder Judiciário para que se reconheça a existência da sociedade em comum e, por consequência, a aplicação de suas regras.

As principais disputas levadas ao Poder Judiciário envolvem a titularidade dos bens empregados para o exercício da atividade econômica e o “ressarcimento” dos valores investidos no negócio fracassado. Quanto ao primeiro caso, em determinada situação, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) afastou a pretensão do autor do caso que tentava impedir que o réu continuasse a usar a marca sob a qual realizava eventos de música eletrônica, alegando ser seu legítimo titular, reconheceu que havia uma sociedade em comum entre o autor, o réu e mais três pessoas, em que todos empreendiam esforços para organizar e realizar os eventos em questão, com divisão de tarefas e, inclusive, com a divisão dos lucros obtidos com os eventos. Da prova dos autos ficou atestado que o registro de marca foi feito apenas no nome do autor, uma vez que a sociedade não era uma pessoa jurídica apta a ser titular da marca perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), e que a sua concepção se deu para realizar os eventos organizados pelo grupo, razão pela qual o autor não poderia pleitear a exclusividade de uso.

No que toca aos valores investidos, o Tribunal de Justiça julgou um caso em que o autor da ação, após fracasso do empreendimento planejado junto ao réu, ajuizou um pedido de ressarcimento do valor investido. O TJ, ao reconhecer que havia entre as partes uma sociedade em comum, entendeu que o autor não poderia ser visto como mero credor do réu, motivo pelo qual não poderia simplesmente exigir o valor investido de volta. Tendo em vista que a constituição de sociedade envolve atividade de risco, sem garantias de sucesso, se o objeto social é frustrado, as partes não podem pretender a devolução dos valores investidos a título de reparação de danos. Assim, determinou o Tribunal que a controvérsia fosse resolvida via “apuração de haveres”, em que inclui a apuração dos débitos e créditos apurados da sociedade.

Diante desses casos – e de muitos outros que são endereçados ao Poder Judiciário continuamente – é importante que as partes reconheçam os riscos que correm ao não formalizarem a constituição de uma relação societária. A informalidade, que parece ser vantajosa no início, pode acarretar sérios prejuízos no futuro.

*Natalia Marques é advogada do escritório Dosso Toledo Advogados de Ribeirão Preto