Artigo: Lembro-me
Por: Prof. Sérgio A. Sant’Anna
Lembro-me das quatro estações definidas de maneira acentuada, pautada, apresentando através do seu poder natural começo, meio e fim.
As flores ocupavam ao jardim florido da praça da Matriz, os ipês se diferenciavam-se: o amarelo, o rosa, o roxo, enfim, um mar de cores, uma mistura de cheiros, tamanha felicidade que parecia não ter fim. O verão provocava aos corpos, era um momento de exibição. Apenas os nomeados como esculturais? Que nada, o corpo era absorvido como um elemento de atração, havia as diferenças sim, todavia… O Sol era imponente, logo pela manhã os seus raios eram soberanos, vitais a nossa energia. Despertávamos com este elemento maior batendo em nossas janelas, quando ele insistia em nos deixar lá estávamos observando ao crepúsculo, num pôr do sol exuberante. Suávamos as bicas, mas mesmo assim o apreciávamos, era a estação das paixões, das conquistas, do começar um namoro, quantos casamentos não nasceram num Verão?! As caminhadas feitas a longos e decisivos passos eram sinônimo para sair de casa, pois o calor intenso era empecilho. As sorveterias cheias, as cadeiras nas calçadas e as famílias a conversar.
Quantos conselhos dados, quantas ideias absorvidas nestes papos dados nas cadeiras nas calçadas?! Será que a tecnologia nos faltava? Não sentia… Hora da cerveja gelada, do encontro com os amigos e troca de experiências de mais um livro lido, quanto sabor… Ele se despedia com as suas pautadas águas intensas no mês de março, versado e cantado por Tom Jobim e lá vinham às destruições, os coletivos de raios e trovões… Ausências de luz falta de energia elétrica, chuveiros queimados, trocaria mais um fusível. O outono chegava com sua secura, sem pedir passagem, os ipês não os via mais, nem mesmo aquelas flores belas dos jardins bem cuidados tinha mais. Será que não o cuidamos? Mas foi o Outono, que enquanto não viu a última pétala caída não desistiu, insistiu que tanto fez, mas ele não passava de um coadjuvante, pois estava para chegar um carrasco, aquele que nos prendia sem piedade, matava moradores de rua, alimentava a distância, eis que chegava o Inverno e o período das queimadas no interior de São Paulo, a secura de mais um Inverno que com suas temperaturas baixas nos fazia acomodarmos, fecharmos as caras e só esperar pela sopa quente de feijão. Aos domingos eis que chegava a feijoada e lá estava toda a família reunida. Quem disse que o Inverno não agrega? Porém não era ele e sim o almoço que deveria ter por princípios a reunião, unir-nos novamente, famílias compostas, filhos distantes que ali chegavam, parentes que desembarcavam, quantos primos não conheci assim… Quando a temperatura atingia os 20°C lá estávamos nós vasculhando ao guarda-roupas para encontrar aquele grosso casaco que não tínhamos, o jeito era improvisar, duas ou três blusas e pronto, ainda estava com frio. Mas ele passava, assim como a fuligem da cana-de-açúcar que tanto nos incomodava. No distante horizonte a serra que pegava fogo através da capacidade hostil dos grandes produtores canavieiros em acabar com a mata para plantar mais cana. Chamas altas, o ar seco envenenado pelo dinheiro açucareiro, hospitais lotados…
Hoje as estações parecem não se definirem mais, não vejo mais os beija-flores, o bem-te-vi, a mangueira que se enchia e abundava toda sua produção. Lambuzar-se com a amora, escorregar a boca pela laranja, tomar o suco do limão, não dá mais. O tempo passa e com ele não sentimos mais este prazer, não paramos mais para apreciá-lo, parece que não mais carecemos destes momentos, mas sinto que sim, éramos seres humanos mais alegres, mais felizes, convivíamos de maneira pacífica, nos tratávamos como gente. Parece que fomos absorvidos pela ausência da troca de olhares, da falta de observação, dos caminhos trocados, dos odores misturados, do paladar desajeitado e uma vida que não é vivida.
Prof. Sérgio A. Sant’Anna – Professor de Redação e Língua Portuguesa/Jornalista