Artigo: há 35 anos o Brasil clamava pelas Diretas
* Em 25 de abril de 1984, a Câmara Federal virava as costas para a vontade popular
* Câmara de Taquaritinga fez vigília
Por: Nilton Morselli*
Na tarde de 16 de abril de 1984, dois jovens taquaritinguenses foram de carro para São Paulo. Apesar de o trajeto ser o mesmo, o destino não era a república de estudantes que compartilharam nos anos em que faziam o curso de Direito. Dimas Ramalho e Adauto Scardoelli queriam assistir, ao vivo, ao maior comício das Diretas Já. O então vereador Antonio Carlos Nunes da Silva, o Tato, já estava lá. Eles tiveram a oportunidade de ouvir o locutor Osmar Santos anunciar euforicamente: “O Anhangabaú já tem 1,7 milhão de pessoas!”. Tantos anos depois, sabe-se que o local não comporta a metade desse público, mas fica a certeza de que a manifestação ajudou a recolocar o Brasil no caminho da democracia.
O advogado e político petista Adauto já estava à procura de nomes para estruturar o partido em Taquaritinga. Anos mais tarde, o promotor de Justiça Dimas se tornaria deputado estadual pelo PMDB e depois chegaria à Câmara Federal, já filiado ao PPS. Juntos, ouviram Fafá de Belém entoar o Hino Nacional. Juntos voltariam para acompanhar o resultado do comício. O protesto que colocou no mesmo palco artistas e políticos serviu para pressionar o Congresso, que votaria a emenda do deputado Dante de Oliveira (PMDB) em 25 de abril. Até chegar a essa data, nada menos que 48 comícios foram realizados. Apesar de aprovada por 298 votos contra apenas 65, a emenda não vigoraria porque faltaram 22 votos para se atingir quórum previsto para as mudanças constitucionais. A ditadura ainda existia.
O Brasil estava mergulhado em profunda crise econômica, com inflação e recessão. A oposição ao governo do presidente João Baptista Figueiredo crescia, ao mesmo tempo em que se fortaleciam os sindicatos e as entidades de classe. Mesmo assim, os oposicionistas não tiveram força para fazer com que a vontade popular predominasse. Seria necessário esperar. A próxima eleição presidencial, em 15 de janeiro de 1985, ainda ocorreria no colégio eleitoral circunscrito ao voto dos parlamentares.
Frente a frente estavam Paulo Maluf, do PDS, e Tancredo Neves, o vitorioso, que obteve 480 votos. O novo presidente da República integrava a Aliança Democrática, oposição formada pelo PMDB e pela Frente Liberal, dissidência do PDS. A vitória de um presidente civil pôs fim à ditadura militar iniciada em 1964. Mas o destino quis que Tancredo não visse a liberdade se completar: no próximo domingo (21), além do Dia de Tiradentes, o Brasil lembrará os 34 anos da despedida do mineiro de São João Del Rei.
O processo de redemocratização só se completaria em 1988, no governo José Sarney, com a promulgação da Constituição Cidadã, pelo então presidente da Câmara Federal, Ulysses Guimarães (PMDB). Era a consagração da vontade popular em um país cuja História jamais havia registrado mobilização com as mesmas proporções. A campanha pelas Diretas começou em novembro de 1983, com um comício de 10 mil pessoas na capital paulista, e culminou com a megaconcentração na Praça da Sé.
Os colegas taquaritinguenses não imaginavam que Luiz Inácio Lula da Silva, sindicalista barbudo que dividia o palanque com ex-exilados, algum dia chegaria à Presidência da República (hoje está preso, condenado por corrupção). Certamente, não passava pela cabeça de Adauto que, em 1996, seria o prefeito de Matão, depois de perder duas eleições em Taquaritinga. Dimas talvez não considerasse a hipótese de, 18 anos depois, fazer parte do mesmo colegiado que rejeitou a emenda das Diretas Já. Deixou a política partidária em 2012, quando se tornou um dos sete conselheiros do Tribunal de Contas do Estado.
Câmara de Taquaritinga fez vigília pelas Diretas
A luta pelo direito de votar para presidente da República ecoava em todos os municípios, principalmente os administrados por prefeitos do PMDB. Taquaritinga era um deles. Na Prefeitura estava o advogado Adail Nunes da Silva, o Negão, que em 1982 chegava ao cargo pela quarta vez.
Um dos fundadores do partido na cidade, Luiz Carlos Galatti, o Cal, tem claras lembranças da noite em que o então presidente do Legislativo e peemedebista Cezar Augusto Pinheiro decretou vigília em apoio às Diretas. “No dia 16 de abril de 1984, a Câmara ficou aberta a noite inteira. As pessoas iam passando”, conta.
Pelo rádio, acompanhavam o desenrolar do comício que lotou a Praça da Sé, em São Paulo. Líderes da oposição e dissidentes do governo discursaram contra a eleição indireta. O povo, empunhando bandeiras, respondia com gritos e aplausos.
Além de Lula, já aconhecido em todo o País, os governadores Franco Montoro (de São Paulo), Leonel Brizola (do Rio de Janeiro) e Tancredo Neves (de Minas Gerais), Fernando Henrique Cardoso, Ulysses Guimarães e Orestes Quércia eram os oradores mais esperados.
*Nilton Morselli é jornalista e assessor de imprensa da Câmara Municipal de Taquaritinga