Filhos do crack: por amor, famílias resgatam crianças abandonadas à própria sorte
Atualmente existem 45.237 crianças e adolescentes vivendo em instituições espalhadas pelo Brasil.
Crianças com pais dependentes químicos já são maioria nos abrigos brasileiros. Entre elas, prevalecem as nascidas do crack. Abandonadas ou retiradas da guarda da família biológica, elas batalham pela vida desde que estão na barriga da mãe e, depois, torcem para encontrar um lar.
Eram 3 horas da madrugada quando o telefone tocou na Ilha do Governador, Rio de Janeiro, na casa de Djalma da Silveira Gusmão Júnior, 50 anos, técnico em telecomunicação. Ele atendeu. Do outro lado da linha, um pedido de ajuda: uma bebê de apenas 15 dias havia sido jogada pela janela da casa onde vivia com os pais dependentes de crack, na comunidade Morro do Barbante, a poucos minutos dali. Os dois abandonaram o local. Quem ligou foram os vizinhos.
Djalma e sua esposa na época, Mônica, realizavam trabalho social na região havia mais de dez anos, por intermédio da igreja evangélica que frequentavam. Por isso, mantinham contato com as famílias de lá. Eles correram para socorrer a recém-nascida, Ester.
A criança foi levada até a Unidade de Pronto Atendimento mais próxima, onde recebeu os cuidados necessários. Ao ver o hematoma na cabeça da bebê, a assistente social perguntou o que tinha acontecido. O casal explicou que conhecia os pais da criança, e que eles eram usuários de drogas. Diante da gravidade da situação, o episódio foi comunicado imediatamente à Vara da Infância.
O caso de Ester, infelizmente, não é exceção. A dependência química e a negligência dos pais são as principais causas da perda da guarda no Brasil. Em 2013, 81% dos acolhimentos de crianças em abrigos aconteceram por esses motivos, segundo o levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Também fazem parte da lista o abandono (78%) e a violência doméstica (57%), entre tantos outros problemas.
Existem hoje 45.237 crianças e adolescentes vivendo nessas instituições pelo Brasil, segundo o Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas. Não são divulgadas informações sobre quantas delas têm pais usuários de drogas, mas os profissionais envolvidos com a assistência são categóricos ao afirmar que elas já são maioria tanto nos abrigos como na fila de adoção.
“As razões para o acolhimento das crianças se misturam. O fato de os pais usarem drogas por si só não leva à perda da guarda. Mas isso costuma se associar à falta de cuidados e abusos. Nesse cenário, o crack é uma das drogas que mais fulmina a capacidade de autocontrole dos responsáveis e os leva a praticar atos de violência”, esclarece Antônio Carlos Ozório Nunes, promotor da Comissão da Infância e Juventude do CNMP.
Uma família para a bebê – A pequena Ester ficou bem e, depois de dois dias, pôde deixar o hospital. O casal, então, quis ficar com a bebê. “Fomos encaminhados para a Vara, às 11 horas da manhã, onde aguardamos a sentença judicial, que saiu às 20 horas”, lembra Djalma. A guarda dos pais biológicos foi suspensa e passada provisoriamente a eles – e não só a de Ester, mas também a de seus irmãos Pietro, que tinha 1 ano, e as gêmeas Isabelly e Isadora, 4 anos.
Djalma e Mônica, que acompanhavam a trajetória da família, viram a mãe biológica grávida dos quatro bebês, entre longos sumiços e breves reaparições, mas sempre muito debilitada pela dependência. “A Justiça entendeu que deveríamos tomar conta deles provisoriamente porque tínhamos condições e eles não tinham mais nenhum familiar, mais ninguém”, diz. Assim começou o processo de adoção.
Após quatro meses, Mônica sofreu um infarto fulminante e morreu. Mas Djalma não desistiu de adotar as crianças. “Peguei a documentação e decidi que continuaria com o processo. Levou quase três anos. Consegui a guarda definitiva no final do ano passado”, conta ele.
Nesse meio-tempo, encontrou uma nova parceira, a empresária Fanny, que assumiu por completo a criação dos quatro ao seu lado. As crianças os chamam de pai e mãe, mas sabem de sua história.
No final do ano passado, Djalma conseguiu a guarda definitiva de Ester e de seus três irmãos, Pietro, Isabelly e Isadora.
Hoje, Ester tem 3 anos, Pietro, 4, e as gêmeas Isabelly e Isadora, 8. Todos estão crescendo saudáveis, sem sequelas do consumo de crack da mãe biológica, e têm um baita pique. “Eu levanto todo dia às 6 horas da manhã. É uma loucura a nossa rotina. Levo as crianças à escola e, quando chego em casa à noite, ajudo nos estudos. Só paro depois das 21 horas, quando vão dormir”, conta o incansável Djalma, que já era pai de quatro filhos biológicos, de 17, 20, 25 e 27 anos.
“Não imaginava ser pai de quatro crianças novamente. São coisas que acontecem e não podemos prever. Elas me dão muita felicidade”, afirma.
Fonte: Revista Crescer