Curiosidade: conheça os animais que se escondem na língua portuguesa
Curiosamente possuímos debaixo da língua vários animais que, de maneira inusitada, citamos sem ao menos perceber.
Quais animais são esses?
- Pulga atrás da orelha.
- Em boca fechada não entra mosca. Uma expressão bem verdadeira — mas se não entra mosca, também não sai nada de interessante. Às vezes, mais vale perder o medo e falar — mesmo se às vezes dissermos disparates ou cairmos na tentação de dizer cobras e lagartos.
- Cobras e lagartos. Coitados destes bichos. São metáfora para as crueldades que lançamos da boca para fora. Sempre fomos um pouco injustos para com os animais. Que culpa têm as cobras e os lagartos das nossas maldades?
- Lágrimas de crocodilo. Sabe-se lá donde vem esta estranha fama: alguém já viu um crocodilo chorar?
- Engolir sapos. Pois, se as cobras, os lagartos e os crocodilos metem um certo medo, o que dizer dos sapos? Algum nojo, talvez. E, no entanto, para lá do nojo, o famoso animal é metaforicamente engolido tantas e tantas vezes.
- Dinossauros. Não saímos da política: os velhos dinossauros, animais possantes e bem extintos há milhões de anos, conservam-se ainda em muitas câmaras municipais por esse país fora, embora agora com mais dificuldade.
- O primeiro milho é para os pardais. Os velhíssimos dinossauros extinguiram-se, mas não morreram todos — alguns acabaram por dar origem às aves, que agora andam a esvoaçar pela nossa língua. Para começar, temos os pardais, que têm sempre direito ao primeiro milho.
- Água no bico. Sim: a velha galinha é um dinossauro depois de uns milhões de anos de clara decadência. Decadência? Sim: não parece que haja por aí algum Spielberg pronto a filmar uma história sobre um parque cheio de galinhas… E, no entanto, são um animal como os outros! Embora, às vezes, tragam água no bico…
- Memória de elefante. Sem dinossauros, temos outros grandes animais, a começar pelos simpáticos elefantes. Serão assim tão bons a recordar? Provavelmente, não — tal como os peixinhos de aquário também não são assim tão maus no que toca à memória. Dizem que, afinal, uma recordação de aquário ainda dura uns meses…
- Vai pentear macacos! Uma ocupação curiosa: pentear macacos… Será que algum deles deixaria um pente chegar-lhe à trunfa? Não me parece — mas mesmo assim lá mandamos quem nos chateia ir pentear os ditos símios.
- Tirar macacos do nariz. Símios esses que também aparecem dentro dos nossos narizes, para gáudio das crianças, sempre prontas a tirá-los de lá!
- Macaquinhos no sótão. Já os adultos, se não assumem tão facilmente os macacos que têm no nariz, talvez seja por terem muitos macaquinhos no sótão…
- A cavalo dado não se olha o dente. Pois, temos de ser exigentes, claro está — com os cavalos e não só. Mas se alguém nos oferece um cavalo, para quê reclamar? O mesmo se aplica se alguém nos oferecer um gato caçador…
- Quem não tem cão caça com gato. Os gatos, coitados, até são bons caçadores. Por mim, não me importaria de caçar com um gato — mas admito que seja mais fácil pedir ajuda aos cães, treinados por séculos e séculos para nos ajudar nisto (e noutras coisas). Seja como for, nesta curiosa expressão da nossa língua, o que temos é mais uma manifestação do famoso desenrascanço.
- Cão que ladra não morde. Se dizem que o tal desenrascanço é muito português, também o será (dizem as más línguas) andar aos gritos sem fazer grande coisa para resolver o que quer que seja. Quem ladra não morde! E quando não ladra? É então que a porca…
- Agora é que a porca torce o rabo. Uma das mais estranhas expressões do português: o que acontece a uma porca com o rabo torcido? Não sei: mas sei que é nesses momentos em que a porca torce a cauda que a coisa começa a ficar interessante! E é nestas expressões sem lógica que o português se revela uma língua bem malandra…
- Vozes de burro não chegam ao céu. Se, enfim, alguém se põe a chatear e não podemos mandá-lo pentear macacos, temos de morder o lábio e imaginar que há vozes que se mantêm rasteiras, sem subir às nuvens.
- Nem que a vaca tussa. E reclamem o que quiserem, mas há coisas que não fazemos — nem que a vaca tenha um ataque da dita tosse.
- Outra vaca no milho. E, por fim, porque a língua também se faz daquilo que não conhecemos, deixo aqui uma expressão galega, mas de sabor tão nosso. Quando alguém cai no mesmo erro que tantos e tantos outros, dizem os galegos que é «outra vaca no milho». Se não servir para mais nada, que esta crónica sirva para espalhar essa bela expressão por terras a sul do Minho.
- Burro velho não aprende línguas. Sim, a partir da adolescência é mais difícil aprender línguas (somos todos burros velhos muito cedo). No entanto, continuamos a aprender a nossa língua — e, no fundo, a recriá-la — até ao nosso último dia. Não há dia em que não aprendamos alguma coisa nova, mesmo sem notar.
Há tantas outras expressões com animais. São apenas um dos muitos recantos da nossa língua, que é um armazém de metáforas antigas, imagens muito nossas, pequenos alfinetes que nos picam a imaginação…
Fonte: Marco Neves – Tradutor, professor e autor. Escreve sobre línguas e livros.