19 de outubro de 2024
Artigo / Crônica / PoemasGeral

Crônica: Memórias – a Duque de Caxias

Por: Sérgio Sant’Anna*

Com o falecimento da minha avó Carmem Sant’Anna no último domingo (13), um ciclo se encerra em relação à minha família, ou seja, a estada na rua Duque de Caxias, especificamente no número 1168, entre as ruas Sete de Setembro e Visconde do Rio Branco, com os fundos da residência para rua Marechal Deodoro da Fonseca. Pois é, todas essas informações adquiridas durante minha infância, que se somou às ruas e aos bancos escolares, conhecimento de mundo e conhecimento acadêmico são frutos desses momentos pueris. Algo inimaginável hoje, meus leitores. Primeiro: crianças não brincam mais nas ruas ou seus quintais (que não existem mais). Segundo: emburreceram com o advento das redes sociais, restringindo o conhecimento acadêmico a alguns poucos. Portanto, são crianças atípicas. Crianças distante do termo infância.

Foi ali naquela casa que o meu avô e minha avó, em 1950, construíram uma família. Solidificaram gerações,  instruíram filhos, orientaram netos e ajudaram bisnetos…ali amigos recebi e os levei para conhecer aquele imenso terreno que desaguava na Marechal; quantas frutas comi, quantas árvores escalei, quantos bichos de pé peguei…Em contato com animais e plantas aprendi a respeitar a natureza, a contemplar o verde e a se alegrar os bênçãos dos raios de sol que brotavam entre as frestas das inúmeras árvores que ali existiam…os cantos entoados pelos pássaros eram comuns e envolventes,  assim como às cigarras com seu cântico mortal. Borboletas, lagartas, minhocas, cobrar, aranhas os vi, assim com aves, cães, gatos, coelhos etc. Que vida repleta de conhecimentos, e de uma forma lúdica.

Da Singer da minha avó à Olivette do meu tio pude conhecer inúmeros seres humanos, capazes de emitirem as mais distintas informações. Inúmeras válidas e precisas, ricas em sabedoria; outras, nem tanto. Porém, confesso que aprendi. Desde assuntos mais triviais, como as telenovelas ou as fofocas, que não contavam com as redes sociais e suas fake news, até aos mais robustos e proteicos assuntos, que muito me estimularam e me convenceram a enveredar pelo mundo das palavras. Dos embalos do pedal da máquina Singer de costura da Dona Carmem às teclas da máquina de escrever, o conhecimento foi o nosso combustível. A criatividade estimulada, a imaginação nutrida e toda uma vida ali sendo traçada.

Convivi naquele quadrilátero com os mais importantes educadores, com os mais sofisticados escritores, com os mais amorosos doutores; sim, também, me adaptei aos chatos, aqueles que se incomodavam com tudo…chutei muita bola na casa dos vizinhos. Vi os meus avós e seus vizinhos sentando nas calçadas, conversando, distantes da TV; vi-os realizando festas na rua Duque de Caxias, preparando a novena de Natal, elaborando as fantasias para o bloco carnavalesco.

Com o passar dos anos toda aquela história foi se apagando…vi a Dona Cinira morrer, o Seu Bruno, a Dona Helena, o Prof. Miguel, a Profa. Ivete, a Dona Nega, a Donana, o Seu Walter, a Quina, a Cida, a Terezinha, a Lola, a Dona Dirce, a Dona Cida, a Dona Antônia, o Seu Hélio, a Vilma, a Priscila, o meu avô Wylli, o meu Pai e, por fim, minha eterna vozinha Carmem…

A história se encerra, porém os capítulos da vida soarão eternamente, pois essas vidas que se foram me ensinaram muito…

*Sérgio Sant’Anna é Professor de Redação no Poliedro, Professor de Literatura no Colégio Adventista e Professor de Língua Portuguesa no Anglo.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.