19 de outubro de 2024
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Artigo: A tragédia dos comuns, a crise climática e as eleições municipais

Por: Luciléia Aparecida Colombo*

Em 1968, Garrett Hardin escreveu o ensaio “A tragédia dos Comuns”, onde defendia que problemas complexos, que dependem do envolvimento de uma coletividade para serem resolvidos ou acomodados na sociedade, encontram um caminho tortuoso e de difícil consenso para se concretizarem. São problemas que não dispõem de um rol organizado de alternativas e soluções e, por essa razão, não podem ser solucionados somente por meio da técnica. Ou seja, alguns fenômenos não programados, como o crescimento populacional ou o esgotamento dos recursos naturais, em sua já conhecida e antecipada finitude, vis-à-vis a uma demanda social infinita, exigem esforços governamentais cada vez maiores para evitar o esgotamento completo ou – no limite – a instauração do caos e da desordem social.

Por outro lado, a pauta ambiental e os efeitos nefastos das mudanças climáticas estão pressionando os governos, de todos os níveis federados, a adotarem medidas emergenciais, todas reconhecidamente insuficientes, diante do cenário nebuloso que se avizinha. Estamos vivenciando uma das piores crises ambientais dos últimos tempos, com a péssima qualidade do ar, as queimadas assolando todas as regiões do país, o desmatamento em níveis históricos; paralelamente, temos uma população que, em um misto de imobilidade e indignação, se afasta cada vez mais dos debates políticos, aprofundando o desgaste dos elos que unem o Estado e a Sociedade.

A crise da democracia está presente na sociedade brasileira e também ao redor do mundo, como aponta o Relatório da Democracia 2024, que utiliza a Variedade de Democracia (V-Dem) como uma abordagem para medir a qualidade dos regimes. O relatório aponta que o nível de democracia em 2023 se assemelha aos níveis de 1998, ou seja, não houve evolução e, em alguns casos, a regressão democrática foi uma constante. Além disso, o fenômeno da autocratização, ou seja, o retorno a regimes fechados e concentrados, e, consequentemente, com tendências autoritárias, ultrapassou a porcentagem dos países que convivem com a democracia. A deterioração com as formas tradicionais de representação política é uma evidência a ser considerada, especialmente no caso brasileiro.

Estamos nos aproximando das eleições municipais no Brasil e os desafios destes novos prefeitos podem ser resumidos em três pontos principais: 1) aproximar o cidadão das decisões políticas, evitando a polarização e a expansão do dissenso; 2) criar mecanismos para lidar com as mudanças climáticas e os fenômenos ambientais extremos; 3) reorganizar os cofres públicos para políticas de infraestrutura, que serão exigidas a partir de então, especialmente para a concretização dos objetivos e exigências desta nova agenda ambiental, que requer volumes financeiros consideráveis.

No entanto, este receituário está longe de ser facilmente concretizado; analisando os programas de governo, é quase inexistente, especialmente no nível local, as prioridades de candidatos a prefeito que incorporaram a chamada “agenda verde”; se não constam em programas destes candidatos, consequentemente não terão o tratamento prioritário em futuras agendas governamentais, o que é devastadoramente comprometedor, diante da constatação de que o aquecimento global está em uma escalada veloz.

E qual é o papel dos cidadãos, neste conjunto complexo da realidade que se apresenta desafiadora? Garret Hardin discorre sobre o papel da liberdade, que deve ser realizada visando os bens coletivos, sendo a natureza um exemplo. Afinal, se cada individuo se comportar apenas para satisfazer os seus desejos pessoais, há uma personificação completa da “tragédia dos comuns” e, consequentemente, um esfacelamento dos pactos sociais celebrados.

As eleições municipais de domingo podem representar uma mudança de chave no cenário incerto que nos aguarda. Ainda que as pautas ambientais estejam negligenciadas nos programas dos candidatos, ela é possível de ser concretizada, através da sociedade civil organizada. Afinal, não é aleatório que o artigo 1º da Constituição Federal do Brasil de 1988 destaca que: “1º – Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido”. Exerçamos a cidadania muito além do voto, mas também fiscalizando e exigindo que, especialmente no âmbito municipal, nossas demandas sejam absorvidas pelos futuros representantes.

*Luciléia Aparecida Colombo é Professora de Ciência Política da UNESP-Araraquara.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.