Crônica: Carpe diem – sábado feliz, domingo o velório
Por: Sérgio Sant’Anna
Lembro-me até hoje daquela noite abafada em que tive o último encontro com ele. Sim, ele estava alegre. Namorada nova. Já havia bebido. Ao longe me viu adentrar pela casa de shows e foi logo gritando-me e me abraçando. Parecia ser uma despedida. Ao raiar do dia, minha avó Carminha adentrou ao quarto e me disse: “…ele faleceu…”, atônito não respondi, procurei outros amigos. Liguei para colegas professores, mas poucas eram as explicações para aquele falecimento. 1999. Outubro. Manhã de domingo. No sábado era só felicidade, no domingo velado num caixão…
A vida é sopro. Os momentos são instantes. A felicidade e a alegria são efêmeras. Somos poeira cósmica, minutos de exaltação, lampejos de alegria, sentimentos parcos de infelicidade. Somos terra, somos água, somos ar, somos fogo. Muitas noites quando saia da Festa Ploc na Vila Olímpia, passava pelo Edifício Joelma e me lembrava daquelas centenas de pessoas que morreram queimadas. Nunca vi nada de anormal pelas madrugadas que ali passei, porém os calafrios eram constantes. Pessoas que até hoje gostariam de estar vivas, ao lado dos seus, vivendo, divertindo-se ou mesmo sofrendo…Destino!? Não. Imprudência humana. Somos infelizes na maioria de nossas escolhas (sei que posso parecer um tanto nietschiano, todavia é a mais pura realidade. E precisamos estar atentos a esses momentos). Sim. Esse meu amigo morreu num acidente automobilístico. Namorava. Porém, depois de muitas doses etílicas acabou assumindo a estrada ao lado de outros amigos e acabou morto. Escolha. Consequência delas. Mas, ser cooptado por outros também não caberia diante da argumentação? Bem, caberia.
Aqui falo de situações cuja a morte, em função das nossas não pensadas ações, acontece. O mesmo digo da minha pessoa. Numa quinta-feira gelada, fria, sempre, nesses dias, viajava para lecionar em Novo Hamburgo, de trem ou ônibus, porém decidi pegar uma carona na motocicleta de um colega. Chovendo. Pista escorregadia. Numa trágica batida com outro motociclista quebrei o úmero, perdi os movimentos da mão esquerda além de um prejuízo gigantesco materialmente. Porém, eu sabia, chuva e motocicleta nunca combinaram. Decidi e acabei me prejudicando. Fruto da minha decisão.
Sim. Acredito que fatalidades acontecem. Sem a imprudência de outrora ou a ousadia de agora. Porém, gostaria que nós seres humanos conseguíssemos ser um pouco mais prudentes, mais inteligentes, e deixar de entregar, tudo que acontece de ruim, aos caprichos do destino. Talvez isso seja um pouco de irresponsabilidade. Um descaso do humano com o próprio ser humano. Um desfile narcísico. O levantar da ausência de comprometimento. Enfim, o ser humano distanciando-se de suas obrigações.
Como atesta o filme “Sociedade dos poetas mortos”, de 1989: “Carpe diem”. Tempo: instantes; Vida: momentos. A qualquer momento às luzes apagar-se-ão.
*Sérgio Sant’Anna é Professor de Redação no Poliedro, Professor de Literatura no Colégio Adventista e Professor de Língua Portuguesa no Anglo.
**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.