23 de dezembro de 2024
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Artigo: Sobrepreço e superfaturamento de obras públicas na Nova Lei de Licitações

Por: Silvia Guedes*

Todos nós já nos perguntamos por que as obras públicas são caras e normalmente descumprem os cronogramas estimados para sua conclusão.

Estes são problemas que possuem múltiplas causas, sendo comuns a ausência do devido planejamento da contratação, o desenvolvimento inadequado de projetos e orçamentos, a falta de fiscalização, de controle e do acompanhamento efetivo da execução contratual.

O Poder Público, como grande consumidor da indústria da construção civil, deve desenvolver processos de contratação que observem a boa técnica, garantindo projetos adequados para o regime de contratação eleito, incluindo orçamentos e cronogramas precisos.

Tais medidas, aliadas a mecanismos de combate à corrupção, são capazes de evitar o sobrepreço e o superfaturamento das obras públicas.

Neste sentido, a Nova Lei de Licitações, Lei nº 14.133/21, traz importantes definições e orientações que auxiliam no planejamento e no controle dos orçamentos e preços contratados, além de prever expressamente a responsabilização de projetistas e empresas por eventuais falhas.

Na lei, o sobrepreço foi definido como a contratação de preços acima dos preços referenciais de mercado, podendo ser evidenciado em apenas um item de preço ou no valor global do objeto, a depender do regime de execução adotado.

O superfaturamento, por sua vez, é caracterizado como o dano provocado ao patrimônio da Administração, exemplificado na lei por: medição de quantidades de serviços superior às efetivamente executadas; alterações no orçamento que causem desequilíbrio econômico-financeiro em desfavor da Administração; reajustes irregulares; distorções no cronograma; deficiência na execução que importe em diminuição da qualidade e, é claro, pagamento de serviços com sobrepreço.

Nota-se, portanto, que o sobrepreço é um dano potencial à eficiência e à economicidade da contratação, enquanto o superfaturamento é o dano consumado, que pode ou não ter origem no sobrepreço.

Além destas importantes definições, a lei apresentou todas as etapas de planejamento das obras e serviços de engenharia, desde os Estudos Técnicos Preliminares (ETP) até o Projeto Executivo, indicando o nível esperado de detalhamento e precisão de seus respectivos orçamentos.

Os orçamentos são o produto da estimativa dos quantitativos pelos preços unitários observados no mercado, para cada um dos serviços da planilha orçamentária.

Enquanto os quantitativos dos serviços são apurados através dos projetos – conforme o desenvolvimento de cada etapa, os preços unitários de mercado são definidos de acordo com as fontes referenciais indicadas de forma expressa no art. 23, §2º, da lei.

Tal dispositivo determina que a Administração deve definir o valor da contratação considerando-se o percentual de Benefícios e Despesas Indiretas (BDI) e dos Encargos Sociais (ES), além dos custos definidos em tabelas oficiais de referências de preços como SINAPI e SICRO; dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo federal e de sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo; contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou concluídas no prazo de um ano; e, pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas, na forma de regulamento.

Nota-se que a Nova Lei de Licitações incorporou a seu texto fontes referenciais de preços que já eram utilizadas de forma obrigatória para obras e serviços contratados com recursos da União – mediante o Decreto nº 7.983/13 – ou para empresas públicas e sociedades de economia mista – conforme lei nº 13.303/16 – mas, diferente de tais normas, excluiu as pesquisas de mercado como fonte para o orçamento. Tal alteração ressalta a importância do conhecimento mais profundo da composição dos preços de obras e serviços de engenharia, pelos contratantes.

Com o desenvolvimento gradual dos projetos, conforme as etapas de planejamento definidas na lei – anteprojeto, projeto básico e projeto executivo – e adotando-se fontes de preços referenciais oficiais, a possibilidade da ocorrência de sobrepreço e de superfaturamento é minimizada.

Mas, como visto nos exemplos trazidos pela Nova Lei, o controle dos orçamentos, por si só, é insuficiente para evitar a ocorrência de superfaturamento.

Outros mecanismos de controle são necessários, como os relacionados às alterações introduzidas pelos termos de aditamento e ao acompanhamento e fiscalização da execução contratual.

Para o controle dos preços na etapa pós-contratação, o art. 128 da lei determina que se mantenha o desconto global contratado, no caso de aditivos que alterem a planilha orçamentária. Isto significa que, sempre que ocorrer a alteração de quantitativos de serviços da planilha contratada, seja para mais ou para menos, o desconto global deve ser recalculado e a Administração deverá ser compensada pelo contratado, quando observada diminuição em tal taxa.

A forma desta compensação não foi definida na lei e a contratante poderá estabelecer mecanismos que envolvam desde a redefinição do valor de preços contratados até o abatimento de parcelas em futuros pagamentos.

Tal medida surge como importante instrumento de combate ao jogo de planilhas, onde há desequilíbrio econômico-financeiro em desfavor da Administração, por conta de alterações de serviços que possuem diferentes descontos em relação ao orçamento.

Outra forma de combate ao superfaturamento é a fiscalização da execução contratual. Trata-se de atividade que vem recebendo especial atenção deste Tribunal de Contas, com o acompanhamento de todas as etapas de execução e recebimento de obras e serviços de engenharia, das contratações analisadas.

A fiscalização da contratação permite que se acompanhe não apenas a quantidade, como também a qualidade dos serviços executados.

A aferição das medições permite o pagamento do que foi efetivamente executado, conforme definido em projeto, e o acompanhamento da execução permite verificar a qualidade dos serviços e materiais empregados, garantindo a vida útil da obra e os custos estimados com sua manutenção, que é parte do ciclo de vida do objeto.

Como visto, acabar com o sobrepreço e, especialmente, com o superfaturamento, em obras e serviços de engenharia, não é uma tarefa fácil e depende de múltiplas ações, desde o início do planejamento até a entrega e acompanhamento da vida útil das obras.

Cabe ao gestor prestar contas a respeito da aplicação regular dos recursos, o que pressupõe demonstrar que os projetos e seus orçamentos, bem como o controle da execução contratual, foram realizados dentro do que exige a Lei de Licitações, em observância aos princípios do planejamento, da eficácia e da economicidade.

*Silvia Guedes é Assessora Técnica da Assessoria Técnico-Jurídica do TCESP.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.