Artigo: Quem tem boca, vaia Roma
Por: Rodrigo Segantini*
Há quem diga que o ditado “quem tem boca vai a Roma”, que deveria enaltecer a malha viária do Império, segundo a qual todos os caminhos levariam à cidade mais importante do mundo de então, na verdade não é correta. Segundo esses, o certo seria “quem tem boca vaia Roma”, significando que o povo, opondo-se à opressão do imperador, deveria vaiá-lo, como forma de hostiliza-lo e demonstrar sua insatisfação com o governo.
Tivemos uma experiência sobre isso há poucos dias. Uma instituição resolveu agradecer à cidade pelo tempo em que está por aqui e presenteou nossa gente com um show gratuito em praça pública. Isso não é a primeira vez que acontece em Taquaritinga, já tendo ocorrido em outras oportunidades. Sempre que isso se dá, o povo comparece em peso para prestigiar o evento e também para curtir a atração. Mas o que foi inédito nos festejos de 40 anos da Credicitrus foram as vaias ao prefeito.
Antes do início do espetáculo, foram anunciados os dirigentes da cooperativa presentes, para que dessem uma palavrinha para a audiência que lotava a praça. No meio deles, estava o prefeito Vanderlei Mársico. Quando seu nome foi anunciado, o que se ouviu foi o sonoro coral de vaias. Não se dando por vencido, Vanderlei ainda quis fazer sua saudação e, polidamente, elogiou o povo de Taquaritinga, que, novamente, o vaiou.
O povo taquaritinguense é uma gente de excelente coração, mas de espírito bravio. Em 1902, insatisfeitos com o encaminhamento da República, resolveram restaurar o Império. Em 1932, enviou centenas de jovens para a frente de batalha para lutar nas forças da revolução que São Paulo sustentou contra o governo Getúlio Vargas. Em 1983, construiu um estádio gigantesco em 90 dias. Talvez porque tenham muitos descendentes de italianos por aqui, nossa gente é afetuosa, afetiva, mas também é teimosa e beligerante. Como dizem, somos daqueles que dão um boi para não entrar na briga e uma boiada para não sair.
As vaias quando o nome de Vanderlei foi anunciado e sua reiteração no momento em que fez uso da palavra e se dirigiu à população demonstra que o povo está disposto a brigar com ele. Nunca um prefeito em Taquaritinga foi vaiado em praça pública no exercício de seu mandato, deixando claro seu descontentamento. Isso pode ser um péssimo sinal para alguém que há pouco mais de dois anos foi entronizado ao restrito rol de prefeitos reeleitos para o mandato imediatamente seguinte – por aqui, só o próprio Vanderlei e Paulinho Delgado.
Porém, convenhamos, não é surpreendente que o povo esteja enfurecido com Vanderlei. O que acontece em Taquaritinga, mesmo que possa ter outra razão ou seja responsabilidade de outra pessoa, será considerado culpa do prefeito de plantão. Assim como, se a cidade estivesse de vento em popa, seu sucesso seria creditado à genialidade do gestor, seu fracasso também cai em suas costas. A literal falência da Prefeitura de Taquaritinga explodiu nas mãos de Vanderlei, então é ele que deve pagar o preço por isso – essa é a mensagem que as vaias ouvidas querem passar a quem se dispuser entendê-las.
As vaias ouvidas são um pedido de ajuda. A população está implorando para que alguém faça algo para acudi-la. As vaias foram passadas na praça, mas as pessoas esperam que sejam ouvidas nos corredores do Fórum, no plenário da Câmara Municipal e nas sessões do Tribunal de Contas do Estado. Já que os passos dos servidores públicos da ativa em protesto pelos atrasos em seus salários não foram suficientes para comover alguém, já que os lamúrios dos servidores inativos por não terem como se manter com a falta de suas aposentadorias também não foi triste o bastante, já que as crianças passando necessidades na Casa Abrigo ou as ambulâncias paradas por falta de dinheiro para combustível e pedágio não tocaram os corações das pessoas, espera-se que o clamor popular bradado na praça alcance as canetas das autoridades que devem apurar o que está acontecendo para que o caos esteja sendo instaurado em Taquaritinga a ponto de ameaçar a subsistência de nossa gente.
Dizer que os problemas que estão sendo enfrentados agora são consequências de erros passados é uma mentira que deve ser repudiada. Taquaritinga já teve problemas com precatórios no passado e sua solução foi encaminhada junto ao Tribunal de Justiça a partir de 2010; o Ipremt já teve problemas com o repasse das contribuições previdenciárias pela Prefeitura em 2004, a ponto de ter sido necessária uma intervenção que teve à frente o indefectível Mário Lúcio Marchioni colocando o instituto em ordem; já houve contas em atraso em condições muito piores que a presente e tudo foi sendo acertado e resolvido. Que há problemas, há; porém, propostas de soluções, como se esperam de um gestor responsável, não. O que tem havido são muxoxos e lamentos sobre os infortúnios desta vida, o que, pelo visto, a partir de agora terão vaias como resposta, as quais podem evoluir rapidamente para urros, ranger de dentes e brados de revolta popular.
Vanderlei Mársico tem a oportunidade de entrar para a história de Taquaritinga como um prefeito notável – notável por empurrar de vez a cidade precipício abaixo ou notável por tirar a cidade do lamaçal em que hoje está. Em vez de achar culpados ou explicações, o povo espera que ele ache soluções. Porém, caso siga na marcha que vem mantendo como prefeito, pelo visto, Mársico precisará achar um bom advogado, infelizmente.
*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.
**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.