Artigo: Caixa seco
Por: Rodrigo Segantini*
Graciliano Ramos, um gigante da literatura nacional, foi prefeito em Palmeira dos Índios, no Estado de Alagoas, portanto conterrâneo da querida Malu Monteiro, que brilhantemente empresta sua voz e seu talento à rádio do prefeito Vanderlei Mársico, destas terras de Bernardino Sampaio. Em 1927, venceu as eleições sendo candidato único, já que, além de contar com o apoio do governador do estado, ninguém queria a bomba de ser prefeito de uma cidade quebrada. Ele até que foi um bom prefeito, mas deixou de observar os cuidados que o funcionalismo necessitava e não reconheceu com a devida atenção o trabalho dos servidores públicos. Por isso, passou a sofrer uma forte pressão popular e acabou renunciando dois anos depois, no meio de seu mandato.
Quando Paulinho Delgado foi prefeito, uma das proezas que mais o deixava orgulhoso era o pagamento dos salários dos servidores públicos municipais em dia. Isso porque, em gestões anteriores, por circunstâncias e razões diversas, nem sempre isso aconteceu. Os adversários de Paulinho, no entanto, rebatiam furiosamente que o prefeito não deveria se vangloriar de tal medida porque não estaria fazendo mais do que sua obrigação. Dentre esses que acusavam Paulinho de autopromoção exagerada estavam o então presidente da Câmara Municipal, Vanderlei Mársico, e um de seus aliados mais fiéis à época, o então vereador Beto Girotto.
O tempo passou e Vanderlei se tornou prefeito. Após concluir seu primeiro mandato, candidatou-se ao segundo, vejam só, tendo como concorrente o próprio Paulinho Delgado. Uma das bandeiras de Paulinho nesta disputa foi o respeito pelo funcionalismo; Vanderlei insistiu que o respeito ao funcionalismo não era mais do que obrigação. Paulinho trazia no currículo seu histórico como prefeito que cumpriu essa pauta; Vanderlei, ainda no assento do trono do alcaide, deu de ombros e se apresentava como um gestor experiente na iniciativa privada e já experimentado na administração pública. Nas urnas, Vanderlei venceu Paulinho.
Porém, surpreendentemente, Mársico, que dizia que pagar salário em dia não era mais do que obrigação, na metade de seu segundo mandato, acabou descobrindo o sacrifício que é para o prefeito de uma cidade com problemas de caixa manter a folha do funcionalismo em ordem, principalmente quando sua gestão sucede a uma que não foi propriamente exitosa em seu ofício – que, no caso em concreto, foi a dele próprio, em seu primeiro mandato. Da pior maneira para si, para a cidade e principalmente para todos os funcionários municipais, ficou claro que, pelo menos em Taquaritinga, o pagamento dos salários dos servidores públicos não apenas é uma prioridade como deve ser uma missão.
Porque a prefeitura só é A Prefeitura por causa dos servidores públicos. Não existe prefeitura – o que existe é um grupo de pessoas abnegadas, vocacionadas, que abrem mão de empreender em seus próprios negócios, de promover uma carreira como profissional liberal e de buscar espaço no mercado de trabalho que reconheça devidamente sua formação para se dedicar a prestar serviços à população de sua cidade. Posso até concordar que uns com mais empenho enquanto outros com nem tanto empenho, mas não tenho dúvida que o funcionário público (sobretudo o municipal) é uma pessoa admirável por ter esse pendor de servir às pessoas que precisam de seus préstimos em prol da organização da coletividade.
Por isso, quando alguém se propõe a ser prefeito, na verdade, deve levar em conta que seu papel não é apenas ser o gestor público, mas, principalmente, aquele que vai cuidar para que os servidores públicos tenham condições de desempenhar suas funções. Um grande administrador, eventualmente exitoso em seus negócios particulares na iniciativa privada, não necessariamente será um grande prefeito – assim como um grande prefeito, exitoso em seu mandato à frente da Municipalidade, não necessariamente será um grande empreendedor. De qualquer forma, para ser um grande prefeito tem que ser alguém que entenda de pessoas. A lição de Graciliano Ramos é uma prova disso que estou falando.
Ao anunciar os motivos de sua renúncia ao cargo de prefeito de Palmeira dos Índios, Graciliano disse que, se disputasse uma nova eleição, não contaria sequer com dez votos. Quantos votos será que teria o prefeito que, apesar de antes dizer que pagar salário em dia não é mais do que obrigação, hoje já não consegue dar conta de cumprir esse seu pensamento? Como não pode ser candidato à reeleição, certamente não saberemos na prática a resposta para essa pergunta, mas poderemos ter uma base de como seria, a partir dos votos que tiver o candidato que apoiar – que sabemos que não será Beto Girotto, seu aliado em outra época, mas ora inimigo figadal. Mas de uma coisa podemos ter certeza: diferentemente de Graciliano, que deixou em ordem as contas municipais ao sair da prefeitura e nos deixou como legado literário a obra “Vidas Secas”, o que Vanderlei deixará seco será o caixa da Municipalidade como legado a seu sucessor.
*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.
**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.