20 de dezembro de 2024
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Artigo: Ei, você aí…

Por: Rodrigo Segantini*

Na década de 1930, o renomado escritor Érico Veríssimo propõe ao jovem Dyonélio Machado que escrevesse um texto para participar de um concurso literário. Foi assim que surgiu a obra-prima “Os Ratos”, na qual é contado sobre Naziazeno Barbosa e sua dívida.

Conta a narrativa que a esposa de Naziazeno o avisou que o leiteiro a teria advertido que, em razão de uma dívida que a família mantinha consigo, o fornecimento de leite a eles seria interrompido caso não saldassem o débito até a manhã seguinte. Durante todo o dia, o homem passa o dia tentando levantar o dinheiro necessário para quitar a pendência com leiteiro. Busca qualquer alternativa: desde apostas a agiotas, passando pelo penhor e ajuda de amigos. Contudo, todas as medidas que toma acabam dando errado, de uma forma ou de outra.

No fim do dia, esgotado e estressado, ele até consegue o dinheiro necessário. Porém, ele passa a noite em claro e só consegue enfim relaxar quando ouve o som das garrafas de vidro com leite sendo deixadas na porta da sua casa – mas aí já é horário de se levantar e ir trabalhar, pois há outras dívidas a serem pagas, a começar pelo leiteiro, que, quitado os débitos anteriores, agora deve receber por aquele leite que acabara de deixar.

O título da obra “Os Ratos” é porque, em dado momento da trama, Naziazeno delira e vê ratos roendo o dinheiro que ganha; por isso, em sua alucinação, ele corre para tentar proteger, guardar ou obter dinheiro, mas os ratos igualmente também se apressam e mantêm-se corroendo tudo. Claramente, uma crítica à opressão diária que sofremos para obter o que precisamos para nos manter, o que acaba invariavelmente se prestando a dar ao dinheiro e à nossa condição financeira uma importância maior do que deveria ter.

Vanderlei Mársico também não deve estar dormindo à noite. Devendo como Naziazeno, deveria também estar alucinado em buscas dos ratos que estão corroendo o erário público. No entanto, ainda que esteja, não parece estar tendo o mesmo êxito que o herói literário em obter os recursos necessários para quitar as dívidas que mantém a partir da Prefeitura. Se o personagem de Dyonélio se preocupava com o leiteiro que deixaria de entregar o leite de sua família no dia seguinte, Vanderlei como prefeito tem preocupações muito maiores: a Santa Casa já parou de prestar o atendimento a alguns serviços do SUS e os agricultores já avisaram que podem cortar o abastecimento da merenda escolar.

Muitos dirão que o cobertor é curto para cobrir o corpo inteiro. Mas qualquer dona-de-casa sabe muito bem que, se o dinheiro é pouco, não adianta uma lista de compras extensa, de modo que é preciso cortar alguma coisa. E, em geral, cortar dói e requer disciplina. Ser prefeito, ser gestor público exige um comprometimento muito maior do que ser um empresário. Se o dinheiro não dá, o empreendedor corta despesas; se não dá para manter o negócio, basta baixar as portas. O prefeito não pode fazer isso: cortar despesas da Prefeitura significa deixar algum serviço público para trás; encerrar o negócio é algo que não se pode sequer ser considerado.

Não estou sequer entrando no mérito se Vanderlei Mársico tem ou não responsabilidade na situação de penúria que aparentemente a Prefeitura se encontra. Porém, há algo que não se pode deixar de considerar: ele se apresentou como candidato dizendo que, como empresário experiente, seria capaz de fazer uma gestão inovadora no município e colocar Taquaritinga nos trilhos ao tratá-la como empresa. Não só isso: apesar de ter se dado conta após quatro anos como prefeito que uma coisa é dirigir sua própria empresa e outra muito diferente é dirigir uma cidade, ainda assim se candidatou novamente dizendo que precisava seguir com o bom trabalho que estava prestando. Das duas, uma: ou é responsável pela situação que a cidade se encontra hoje, ou fracassou fragorosamente como dublê de empresário e prefeito.

Portanto, responsável ou não pela atual situação da Prefeitura, parece que algo não deu muito certo para Vanderlei como prefeito – e agora, como prefeito, é sua responsabilidade resolver essa situação e rápido. Afinal, estamos falando de interrupção no serviço de saúde, interrupção no serviço da educação, fora os problemas óbvios em já que se encontram a zeladoria e manutenção da cidade e seus espaços públicos.

Naziazeno só conseguiu dormir ao ouvir o tilintar das garrafas de vidro na porta de sua casa, informando que o leiteiro teria aceitado seu pagamento, zerado sua dívida e seguido fornecendo leite a sua família. Vanderlei, se não estiver conseguindo dormir, provavelmente só conseguirá descansar se ouvir o tilintar de moedas nos cofres da Prefeitura ou quando ouvir o barulhinho da urna eletrônica ao final da votação, sinalizando que seu sucessor foi escolhido pela população e que ele, enfim, se livrará do abacaxi que é ser prefeito de uma cidade endividada – sendo ele ou não responsável por isso.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.