Artigo: É preciso ter responsabilidade
Por: Rodrigo Segantini*
Taquaritinga é um lugar fantástico, uma cidade incrível, com um povo admirável. A despeito de estarmos passando por um momento muito difícil em razão da epidemia de dengue, embora a situação da zeladoria urbana esteja deixando um tanto a desejar, as pessoas aqui são todas ordeiras, civilizadas e educadas, mesmo que sejamos descendentes de italianos esbravejantes e que adoram arrumar confusão por qualquer coisa. Por isso, algo assustou a todos nós por aqui e gerou uma revolta entre nossa gente.
Duas jovens teriam pedido uma encomenda a uma hamburgueria para ser entregue em domicílio. Ao receber seu pedido das mãos do moto-entregador, parece que houve um pequeno desentendimento acerca de alguma questão, o que, aparentemente, foi rapidamente resolvido após algumas explicações pelo rapaz. Porém, depois que partiu, ouviu as garotas fazendo ofensas a ele ou soube que elas o haviam ofendido por meio de postagens nas redes sociais, referindo-se jocosa e ofensivamente à cor de sua pele.
Como tudo o que é ruim nesta vida, a notícia sobre o havido viralizou, mas não da forma que as meninas pensaram que poderia ocorrer. Achando que sua avaliação crítica dos serviços de entrega da hamburgueria se restringiria a seu grupo social, que talvez acharia graça da pretensa pilhéria infantil que acreditavam estar fazendo, elas foram surpreendidas como uma reação adversa gigantesca a sua atitude. Os motoboys se reuniram para protestarem contra a atitude delas, fizeram protestos em frente suas casas e o rapaz ofendido ainda lavrou um boletim de ocorrência, que pode levar as duas a serem processadas criminalmente.
Em vista do tamanho que a situação ficou, as moças vieram a público se retratar, pediram desculpas e tudo o mais que o mise-em-scène requer. Porém, parece que não adiantou nada ou que essas providências foram tomadas tarde demais. Na verdade, o que tinha que ser feito mesmo era não terem proferidos ofensas – nem em particular, nem em público e menos ainda nas redes sociais.
Racismo é crime. Ponto. Ofender alguém em razão da cor de sua pele ou de sua origem é crime. Ponto. E é crime é algo que não deve ser feito sob pena de ser recebida uma punição. Ponto. Então, se é crime é algo que não deve ser feito sob pena de recebermos uma punição e ofender alguém em razão da cor de sua pele é crime, logo as duas moças, por terem praticado crime de racismo, devem ser punidas. Ponto.
Portanto, sem querer dourar a pílula para racistas e menos ainda para as garotas ofensoras e também bem longe de levantar qualquer bandeira do tipo #somostodosentregadores ou #respeiteosmotoboys, há uma outra questão que para mim não está sendo tratada com a seriedade que merece, talvez porque não pareça no momento tão grave ou relevante como é o cometimento do crime em análise. Ao nos atermos apenas à questão do preconceito raivoso e da reação proporcional em resposta, deixamos de considerar que tudo isso se deu porque se tornou público – e se tornou público porque as duas jovens postaram o conteúdo de suas ofensas nas redes sociais.
Por trás de uma postagem, achamos que estamos protegidos pelo anonimato que a tela parece nos garantir. Mas essa é uma falsa impressão. Toda a nossa jornada pelas redes sociais deixa nossas pegadas por onde formos e tudo o que fazemos nas redes digitais tem o registro de nossas digitais. Não adianta fazer em abas ou janelas anônimas, nem abrir perfis fake – sempre há uma maneira quem fez, de onde fez e como fez. Não existe segredo na internet. Nas redes sociais, menos ainda.
Nossa sociedade, ao pretender se tornar uma comunidade digital ou digitalizada, está se achando moderninha demais. Mas tudo tem limites. Se antes se dizia que ofender alguém era como jogar um saco de paina da matriz, hoje pode se dizer que isso acontece ao se fazer um post maldoso em uma rede social. Pode ser difícil recolher todas as painas, assim como é difícil desfazer uma fofoca viralizada. Porém, sempre será possível descobrir e responsabilizar quem jogou as painas do alto da torre da matriz, assim como sempre será possível descobrir e responsabilizar quem fala bobagem nas redes sociais. Racismo é crime, mas achar que dá para fazer besteira na internet e sair impune disso é estupidez. Aprendamos isso.
*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.
**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.