23 de dezembro de 2024
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Artigo: A qualidade da democracia, o aumento da autocracia e as perspectivas para o futuro

Por: Luciléia Aparecida Colombo*

Recentemente, alguns episódios desencadeados no Brasil e no mundo, colocaram à prova a qualidade da democracia e a maneira como os representantes políticos exercem o poder, bem como executam as políticas públicas. Em face de tais questionamentos, foi publicado neste mês de março, o Democracy Report 2023 – Defiance in the Face of Autocratization, o relatório que aponta o avanço da democracia no mundo e sua qualidade, elaborado pelo V-DEM Institute, atrelado à Univesidade de Gotemburgo, na Suécia.

Os dados apresentados pelo relatório não são nada animadores: não há aumento nos níveis globais de democracia nos últimos 35 anos e cerca de 72% da população mundial – o que equivale a 5,7 bilhões de pessoas – vivem em regimes autocráticos, até 2022. Além disso, o número de países em estado de democratização caiu para 14, o que representa apenas 2% da população mundial. Estes números são semelhantes aos apresentados em 1973, portanto, há 50 anos atrás. O relatório também aponta que os principais problemas que justificam números tão ruins são: a desinformação, a polarização e a autocratização. Há que se destacar que regimes autocráticos possuem características como o absolutismo, o despotismo e a tirania.

E é possível medir a democracia? A resposta é sim! O conjunto de dados da pesquisa supracitada possui mais de 60 índices e 500 indicadores, o que garante a sua confiabilidade. Além disso, vários cientistas ao redor do mundo estão questionando a piora dos índices democráticos e do surgimento de líderes autoritários atualmente. Przeworski é um destes autores, que ressalta no livro Crises da Democracia, publicado em 2020, que a os regimes democráticos hoje encontram-se em perigo, não mais pela via tradicionalmente conhecida, de golpes militares e da extradição de civis. Mas para o autor, a democracia sofre de ataques oriundos no interior de seu próprio regimento, com a erosão constante de suas instituições. Os governantes utilizariam mecanismos democráticos legais para fins não-democráticos, além de promover e incentivar a descrença nos mecanismos institucionais vigentes, como a reformatação do Poder Judiciário, das regras eleitorais, o desmonte das agências públicas e o controle e enfraquecimento da mídia.

Yascha Mounk também faz previsões nada animadoras para o futuro da democracia, em seu livro O Povo Contra a Democracia, publicado em 2018. Entretanto, para o autor, a erosão da democracia e o descontentamento não são recentes, ao contrário, é antiga, mas a novidade é que hoje os cidadãos estão mais inquietos, raivosos e desdenhosos. O autor salienta que a corrosão na confiança dos partidos políticos, além do crescimento do populismo tanto na América, como na Europa e Ásia, indicam que mudanças profundas estão sendo realizadas na democracia. Mounk ainda apresenta números bem alarmantes em sua pesquisa: “(…) mais de dois terços dos idosos americanos acreditam que é extremamente importante viver em uma democracia; entre os millennials, menos de um terço pensa o mesmo” (MOUNK, 2020, p. 32). Além disso, reforça o autor: “O fim do caso de amor com a democracia também está deixando os americanos mais abertos a alternativas autoritárias. Em 1995, por exemplo, apenas uma em cada dezesseis pessoas acreditava que um governo militar era um bom sistema de governo; hoje, a proporção é de uma em seis” (MOUNK, 2020, p. 54).

Uma das prováveis desilusões com a democracia está na insatisfação do que é prometido nas campanhas políticas e no período pré-eleitoral e o que de fato é oferecido, quando o governante chega ao poder. Corrupção, má utilização do dinheiro público e frustração com a qualidade das políticas públicas oferecidas reforçam o sentimento de desalento da população, que permanece distante do poder público constantemente e apresentam repulsa a assuntos relacionados com a política. Tais sentimentos são bem aproveitados por líderes políticos com tendências autoritárias, pois, afinal, governar para desinteressados pode ser uma oportunidade de implementar políticas que não favoreçam a maioria, princípio maior da democracia.

Luciléia Colombo

Não tenho a pretensão nestes linhas de resolver o dilema que nos é colocado, de forma coletiva. Deixo, como reflexão, uma das passagens de Mounk apenas como um alerta para possíveis soluções fáceis e mágicas para o nosso problema democrático moderno: “Era uma vez um galinheiro muito feliz. Todo dia, o fazendeiro alimentava as galinhas. Todo dia, elas ficavam um pouco mais gorduchas e complacentes. Outros animais da fazenda tentaram advertir as galinhas. “Vocês vão morrer”, disseram. “O fazendeiro só está tentando engordar vocês.” As galinhas não deram ouvidos. Durante toda a sua vida o fazendeiro aparecera para alimentá-las, murmurando palavras de carinho e encorajamento. Como as coisas poderiam mudar tão de repente? Mas de fato um dia as coisas foram diferentes: “O homem que alimentou as galinhas todos os dias de sua vida”, escreve Bertrand Russell em seu tom caracteristicamente irônico, “no fim torce seu pescoço”. Enquanto a galinha era jovem e magra, o fazendeiro queria engordá-la; quando estava gorda o suficiente para o mercado, era hora de ser abatida” (MOUNK, 2020, p. 26).

A parábola das galinhas serve de alerta para que estejamos em constante vigilância para os perigos que rondam a democracia – e para pesquisas que comprovam tal fato.

*Luciléia Aparecida Colombo é taquaritinguense e Professora de Ciência Política da Universidade Federal de Alagoas.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.