24 de junho de 2025
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Nossa Palavra – O fim da reeleição e a redefinição do jogo político no Brasil

A proposta aprovada pela CCJ traz profundas transformações para a democracia brasileira, mas exige vigilância, debate e responsabilidade

Na última quarta-feira (21), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal aprovou uma das propostas mais significativas das últimas décadas no campo da reforma política brasileira. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC 12/2022) prevê o fim da reeleição para cargos do Executivo — presidente da República, governadores e prefeitos —, além da unificação de todos os mandatos em cinco anos, com eleições gerais e municipais ocorrendo simultaneamente a partir de 2034.

Trata-se de uma mudança estrutural, com impactos diretos sobre o funcionamento da democracia representativa. Ao extinguir a possibilidade de reeleição consecutiva, o Congresso pretende combater uma prática que, segundo os defensores da proposta, desvirtua o espírito republicano e concentra poder excessivo nas mãos dos mandatários. Em teoria, tal alteração reequilibra o jogo político, abre espaço para novas lideranças e mitiga o uso da máquina pública como instrumento de perpetuação no poder.

Contudo, embora a medida seja justificada por argumentos de governabilidade, economicidade e renovação política, ela não está isenta de controvérsias. A unificação das eleições, por exemplo, exige reflexão profunda: será que a simultaneidade do processo eleitoral facilitará a compreensão dos eleitores sobre os diferentes níveis de representação? Ou haverá um excesso de informações e candidaturas, reduzindo a qualidade do debate público e comprometendo a análise crítica por parte do cidadão?

Além disso, o fim da reeleição para o Executivo contrasta com a manutenção da reeleição no Legislativo. Por que essa diferença de tratamento? Se o argumento é evitar a vantagem do incumbente, não seria coerente ampliar essa lógica para todos os cargos eletivos? Essa escolha reforça a percepção de que reformas políticas no Brasil ainda seguem marcadas por interesses de ocasião, e não por um pacto sistêmico de renovação institucional.

Outro ponto digno de atenção é o encurtamento do mandato dos senadores, que tradicionalmente possuem um ciclo mais longo (atualmente de oito anos). Com a alteração, todos os 81 senadores passarão a ser eleitos a cada cinco anos, pondo fim à alternância parcial das cadeiras. Essa medida, embora justificada por alguns senadores como um meio de garantir maior sintonia com os anseios populares, rompe com a tradição bicameral que confere estabilidade ao Senado como Casa revisora.

É inegável que o atual sistema político-eleitoral brasileiro apresenta distorções. A reeleição, introduzida em 1997, nasceu sob o signo da estabilidade, mas logo revelou-se um instrumento muitas vezes explorado com fins personalistas. Todavia, sua extinção exige mais do que celebração. Exige responsabilidade, planejamento e mecanismos institucionais que garantam continuidade de políticas públicas entre gestões, sem prejuízo à eficiência administrativa.

Com eleições unificadas e ciclos de cinco anos, o Brasil poderá, sim, caminhar para uma racionalização do processo político. Reduz-se o custo das eleições e pode-se ampliar a participação popular ao alinhar os calendários eleitorais. Mas há riscos implícitos: a centralização do debate político em um único momento pode favorecer discursos populistas e esvaziar discussões locais. A democracia exige tempo, escuta, construção contínua — e isso pode ser comprometido em pleitos superconcentrados.

O Senado acerta ao colocar o tema como prioridade, mas o debate não deve ser apressado nem conduzido de forma meramente pragmática. É fundamental que a sociedade civil seja amplamente consultada e que a proposta passe por uma análise profunda no Plenário e, posteriormente, na Câmara dos Deputados. Reformar a Constituição é tarefa grave, que não pode se submeter a modismos ou interesses eleitorais de curto prazo.

O Brasil está, mais uma vez, diante da oportunidade de repensar seu modelo político. É preciso avançar, mas com lucidez. Acabar com a reeleição não basta: é necessário criar um ambiente político que valorize a alternância, sem comprometer a continuidade; que estimule a renovação, sem desestabilizar a governabilidade; que incentive o voto consciente, sem obscurecer a informação.

A democracia brasileira clama por amadurecimento, e este só virá com reformas que dialoguem com o povo, respeitem o pacto federativo e fortaleçam as instituições.