24 de junho de 2025
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Bebês Reborn: Hobby Inofensivo ou Alerta para Problemas de Saúde Mental?

Especialistas explicam os limites entre diversão, arte e possíveis sinais de desequilíbrio emocional

Eles têm nome, certidão de nascimento, enxoval completo e até participam de consultas médicas fictícias. Os bebês reborn — bonecos hiper-realistas que imitam recém-nascidos com impressionante fidelidade — se tornaram uma verdadeira febre nas redes sociais. Vídeos que mostram “mães” trocando fraldas, amamentando e levando seus “filhos” para passeios ganham milhares de visualizações todos os dias. Mas essa tendência levanta uma questão delicada: estamos diante de um hobby saudável ou de um possível alerta sobre a saúde mental?

A resposta, segundo especialistas, exige cuidado, análise e, sobretudo, empatia. Para a psicóloga Rita Calegari, do Hospital Nove de Julho, o que diferencia um passatempo de um problema de saúde está nos impactos que a prática causa na vida da pessoa. “O limite está na frequência, intensidade, distorção da realidade e no quanto isso interfere nas demais áreas da vida”, afirma.

Arte, afeto e pertencimento

Muitas colecionadoras reforçam que o bebê reborn é uma forma de arte. As bonecas são confeccionadas à mão, com pintura em camadas e aplicação de fios individuais de cabelo. Cada modelo pode custar entre R$ 1 mil e R$ 9,5 mil. Não por acaso, eventos de colecionadores se multiplicam, como os organizados por Andrea Janaína Mariano, artesã e entusiasta do tema há mais de 10 anos.

“Não é brincadeira de criança. É arte, é coleção. Somos mulheres adultas, muitas com filhos e netos, que encontram no reborn um hobby que proporciona relaxamento, afeto e conexão com outras pessoas”, diz Andrea.

Segundo o psiquiatra Alaor Carlos de Oliveira Neto, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, hobbies são saudáveis quando enriquecem a vida com alegria, aprendizado e bem-estar. “O problema começa quando a pessoa passa a substituir interações humanas pela relação com o boneco, abandona responsabilidades ou vive uma realidade paralela”, alerta.

Quando o cuidado vira dependência

Em alguns casos — raros, mas reais — a fronteira entre fantasia e realidade é rompida. Há relatos de pessoas que evitam sair de casa para não “deixar o bebê sozinho”, que investem compulsivamente em roupas e acessórios ou que desenvolvem reações emocionais intensas a críticas nas redes sociais. Esses comportamentos, segundo os especialistas, são sinais de alerta.

“Ao perder o senso do que é real, a pessoa pode usar o brinquedo como fuga emocional ou até como substituto afetivo para situações não resolvidas da vida”, explica Neto. Casos assim exigem atenção e, muitas vezes, acompanhamento psicológico.

Ferramenta terapêutica e expressão de empoderamento

Por outro lado, os bebês reborn também vêm sendo utilizados como ferramentas terapêuticas. Em hospitais, auxiliam no enfrentamento do luto por natimortos ou na estimulação sensorial de pacientes com Alzheimer. “O luto sem corpo é muito difícil. Segurar o boneco pode ajudar a elaborar esse vazio”, pontua a psicóloga Rita.

Além disso, a prática toca em outra questão sensível: o julgamento social. Para Rita, há um recorte de gênero evidente. “Homens colecionam videogames, carros em miniatura ou fazem aeromodelismo. Ninguém questiona. Por que, então, o espanto quando mulheres colecionam bonecas?”

Ela também ressalta o empoderamento feminino por trás do movimento. “Brincar de ser mãe é uma escolha legítima, não uma obrigação. Há mulheres que escolhem não ter filhos, mas desejam expressar o cuidado. Isso é liberdade.”

Entre o lúdico e o patológico

O fenômeno dos bebês reborn ilustra como hobbies podem ser reflexo de necessidades emocionais — o desejo de afeto, a busca por pertencimento ou a vontade de cuidar. Quando essas práticas são conscientes e não afetam negativamente a rotina, são legítimas e até benéficas.

Contudo, o alerta é claro: se a fantasia começa a dominar a realidade e a substituir relações humanas ou compromissos pessoais, é hora de buscar ajuda.

Fontes: Terra e Correio do Povo