Nossa Palavra – Falhas estruturais
Desvios em entidades associativas lesaram aposentados e pensionistas em mais de R$ 6 bilhões entre 2019 e 2024; governo inicia ações para ressarcimento
O Brasil testemunha, mais uma vez, os efeitos corrosivos de práticas fraudulentas que atentam diretamente contra os direitos de sua população mais vulnerável: aposentados e pensionistas. A operação deflagrada em 23 de abril pela Controladoria-Geral da União (CGU) e pela Polícia Federal revelou um escândalo de proporções bilionárias envolvendo descontos indevidos em benefícios previdenciários. Segundo estimativas oficiais, o rombo causado por entidades associativas ultrapassa R$ 6,3 bilhões nos últimos cinco anos.
O caso tem raízes em um esquema nacional de filiação fraudulenta, em que diversas entidades – sem qualquer estrutura operacional efetiva – cadastravam, sem consentimento, aposentados e pensionistas em seus quadros, com o objetivo de obter mensalidades descontadas diretamente dos benefícios pagos pelo INSS. Em muitos casos, utilizavam-se assinaturas falsas e dados manipulados para legitimar cobranças jamais autorizadas pelos segurados.
A gravidade do escândalo resultou no afastamento e posterior demissão do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e culminou, ainda, no pedido de exoneração do ministro da Previdência, Carlos Lupi, no início de maio. A reação institucional evidencia a magnitude do problema e a necessidade urgente de reestruturação dos mecanismos de controle interno do Instituto Nacional do Seguro Social.
Os impactos são duplamente perversos: não apenas drenam recursos preciosos do erário público, mas impõem perdas concretas e silenciosas aos cidadãos que deveriam ser protegidos por um sistema previdenciário robusto e confiável. Cada desconto irregular, por menor que seja, compromete o sustento de famílias inteiras, afeta tratamentos médicos, a compra de medicamentos e o mínimo de dignidade a que têm direito aqueles que contribuíram ao longo da vida.
Diante do escândalo, o governo federal disponibilizou, a partir de 14 de maio, a possibilidade de contestação dos descontos diretamente no aplicativo Meu INSS, além da central telefônica 135. O processo, que dispensa, num primeiro momento, o envio de documentos comprobatórios, visa acelerar a identificação das vítimas e iniciar os trâmites de ressarcimento. O novo Portal de Desconto de Mensalidades Associativas (PDMA) permitirá, ainda, que as entidades apontadas se defendam, apresentando documentos que provem o vínculo e a autorização para os descontos.
Caso as associações não comprovem tal relação, deverão restituir os valores com correção monetária, via Guia de Recolhimento da União (GRU). Se não cumprirem essa obrigação, o INSS encaminhará os casos à Procuradoria-Geral Federal, que adotará medidas judiciais contra as instituições ou seus dirigentes.
O episódio revela, no entanto, um problema mais profundo do que fraudes pontuais: trata-se de uma falha sistêmica. O controle sobre entidades conveniadas ao INSS mostrou-se precário, exposto à atuação de grupos oportunistas que encontraram brechas legais e digitais para explorar indevidamente os mais frágeis. E, enquanto esses desvios ocorriam, milhares de aposentados eram vítimas de um sistema falho e omisso.
É imperativo que o governo e o Congresso Nacional promovam uma revisão ampla das regras de autorização de descontos em benefícios previdenciários, bem como das credenciais exigidas para que entidades operem junto ao INSS. A digitalização dos processos precisa vir acompanhada de garantias de segurança e validação da identidade dos segurados. A fiscalização permanente não pode ser delegada apenas a órgãos de controle externos; deve estar embutida no funcionamento cotidiano da máquina pública.
Acima de tudo, é urgente recuperar a confiança da população na Previdência. O INSS não pode ser um ambiente de vulnerabilidade institucional, mas um bastião de proteção social. E a resposta a esse escândalo precisa ir além das exonerações: requer responsabilização exemplar dos envolvidos, correção integral dos danos e um compromisso público de que casos como este não se repetirão.
A integridade da seguridade social é pilar do Estado democrático. Preservá-la é mais do que uma obrigação administrativa — é uma exigência moral.