Artigo: Crônica para um Brasil desatento ao seu cotidiano
Por: Sérgio Sant’Anna*
Escrever crônicas é viajar pelo cotidiano, é aguçar a observação, é captar aquilo que os demais olham, mas não param para a observação. O cronista é um analista do dia a dia. É aquele escritor capaz de demonstrar através das palavras e construções sintáticas o essencial.
Passeando pela história deste gênero textual tipicamente nacional, ganhando os contornos oferecidos pela malemolência criativa lítero-brasileira, a crônica é realçada e ganha os contornos de hoje através da coluna “Ao correr da pena”, de José de Alencar. Este um escritor consagrado pelo movimento romântico e que traz a modernidade e o desmame da literatura de Portugal. Porém, ao longo das décadas e séculos, a crônica transforma-se, deixando de ser um folhetim e passando a incorporar-se aos compêndios. Assim aconteceu com o ícone da crônica mundial, nosso lírico Rubem Braga, um artesão deste gênero, capaz de tratar dos assuntos mais banais de forma poética e imagética. Rubem foi além, transformou a crônica num gênero de alto consumo, capaz de fazer com que os leitores reflitam através dos textos rápidos e eficientes.
Antes do cronista de Cachoeiro do Itapemirim, terra, também, do cantor e compositor rei Roberto Carlos, outros analistas do cotidiano demonstraram suas habilidades literárias e criativas abrilhantando as páginas dos mais importantes veículos de comunicação do Brasil. João do Rio foi um deles no início do século XX, e com ele Lima Barreto e sua análise dos marginalizados na então capital do Brasil. E não paramos por aí, o maior escritor brasileiro, segundo os críticos literários, Machado de Assis enveredou por este gênero e compôs importantes análises da capital carioca, algumas, inclusive, criticando o movimento romântico de José de Alencar. Inclusive conta algumas crônicas escondidas da sociedade, narradas e transmitidas pela oralidade, que o filho de José de Alencar, Mário de Alencar, era fruto da traição da esposa do escritor romântico e Machado de Assis (qual seria a ligação de Escobar, Capitu, Bentinho e esse detalhe?).
Os modernistas apresentaram crônicas mais enxutas, Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Manuel Bandeira foram fiéis a este gênero. Seja contestando às gerações anteriores ou elogiando ao movimento recente, estes souberam cativar aos leitores. Talvez por características típicas de cada um. Mário, um exímio contista; Oswald e Manuel dois grandes poetas. Na geração de 1930 surgem: Graciliano Ramos, Raquel de Queiróz e Jorge Amado, além do talentoso Érico Veríssimo. Analistas do cotidiano que procuravam demonstrar de maneira neorrealista o cenário dos seus Estados, a tristeza do seu povo, os costumes e cultura de cada região. E foram responsáveis por escancararem a violência trazida pelo Estado Novo aos que eram contrários ao regime getulista. Em 1945 surge uma geração pós-guerra, que anuncia o êxodo rural, a transformação das cidades em metrópoles e advento de uma guerra nuclear. Uma geração em busca da paz. Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, que entre contos, romances e poesias viajam pela crônica. Todavia, há aqueles que começam a se dedicar apenas a este gênero como: Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Armando Nogueira.
Ao final da década de 1970 desfilam os geniais: Mário Prata, Luís Fernando Veríssimo, Moacyr Scliar que usavam situações do cotidiano para narrá-las como crônicas, seja com uma dose de humor como faziam Veríssimo e o Prata; Moacyr Scliar brindava os seus leitores com um banho de cultura. Ao final da década de 1980: Caio Fernando Abreu, Matheus Shirt, Raquel de Queiróz, Ignácio de Loyola Brandão cronistas que compunham suas análises nas páginas do jornal “Estadão”. Mais recentemente surgem: Antônio Prata, Tati Bernardi, Leandro Karnal, Djamila Ribeiro, Julian Fuks, Fabrício Carpinejar, Martha Medeiros entre outros.
Consumir crônica é analisar o Brasil, e navegar pela sua cultura, escorregar pelos seus escândalos, esperançar com a criatividade deste povo, e poder ser sinestésico sem sair de casa. Nas duas últimas semanas comprei três obras que apresentam este gênero, são elas: “Ao correr da pena”, de José de Alencar – uma edição preparada por João Roberto Faria; “Ensaios íntimos e imperfeitos”, do grande Luiz Antonio de Assis Brasil; “Para pensar e escrever melhor”, do historiador Leandro Karnal. Não posso me furtar do livro que ganhei dos alunos ao final do ano, “Crônicas selecionadas”, de Antonieta de Barros – primeira deputada negra, autora do Dia do Professor, jornalista e professora. Leiam mais! Leiam crônicas!
*Sérgio Sant’Anna é Professor de Redação no Poliedro, Professor de Literatura no Colégio Adventista e Professor de Língua Portuguesa no Anglo.
**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.