19 de novembro de 2024
Artigo / Crônica / PoemasGeral

Artigo: A escala 6×1 e o futuro da democracia brasileira

Por: Luciléia Colombo* e Gustavo Luiz Gomes Pires**

A mídia noticiou amplamente essa semana sobre a redução da chamada escala 6×1, ou seja, trabalhar seis dias por semana e descansar apenas um. De autoria da deputada federal Érika Hilton (PSOL-SP), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) objetiva reduzir a jornada de trabalho para 36 horas semanais, em 4 dias por semana. E a polêmica em torno da proposta ficou acalorada: setores produtivos, empresários, trabalhadores e movimentos sociais estiveram argumentando ao longo de toda a semana sobre a futura medida.

A PEC obedece a uma espécie de consenso mundial em torno da qualidade de vida do trabalhador e da redução da jornada de trabalho, que tem sido amplamente debatido em países como Canadá, Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Holanda, Suécia, Índia, África do Sul, Chile, Itália, Noruega, Bélgica e Suíça, no movimento que ficou conhecido como 4 Day Week. Especialmente após a pandemia de Covid-19, a saúde mental laboral ficou evidenciada em várias instâncias da vida social, particularmente no mundo do trabalho.

Entretanto, um ponto extremamente sensível deste movimento diz respeito a uma vertente até então não abordada: a influência na democracia. Todos sabemos e é amplamente difundido nos meios de comunicação, que vivenciamos uma crise de representatividade política sem precedentes, que se expressa, sobretudo, na apatia dos eleitores, com desdobramentos nos inúmeros votos brancos e nulos nas últimas eleições, uma desconfiança nas instituições democráticas tradicionais ou até mesmo na operacionalização das eleições, com questionamentos sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas e dos procedimentos eleitorais. Por outro lado, a distância do cidadão com o mundo da política também pode ser analisado a partir destas modificações no mundo do trabalho, com destaque para o tempo que os indivíduos dispõem atualmente para participarem politicamente das decisões que os envolvem.

A ideia central da democracia, pauta nos pressupostos da participação, se alterou substancialmente, desde as cidades-estados, governadas anteriormente por aristocratas ou membros da nobreza. Paulatinamente, com o surgimento do Estado-Nação, os indivíduos adotaram a capacidade de participar das decisões governamentais, não somente daquelas que os afetam diretamente, relacionadas com as políticas sociais, mas também com questões de ordem moral, ou mesmo nos assuntos nacionais, que pautam ações coletivas e individuais.

No entanto, neste conceito recente de democracia representativa, onde elegemos um indivíduo para nos governar, necessita, sobretudo, de pessoas engajadas e partícipes das decisões governamentais. E esse engajamento envolve, sobretudo, tempo, para exercer a cidadania de forma ampla e irrestrita.

Portanto, no atual estado das condições laborais, temos, por um lado, indivíduos vivendo na alta informalidade, com trabalhos precários, que exigem muitas horas de trabalho; e por outro, trabalhadores com carteira assinada e que estão regulamentados e protegidos pelas leis trabalhistas, mas que se houver a diminuição das horas de descanso ou mesmo horas livres para participarem democraticamente, haverá certamente um déficit democrático significativo nesta sociedade.

E quais as implicações da não-participação destes cidadãos, nas decisões coletivas? O vácuo deixado pela participação social da sociedade civil implica em legitimar grupos sociais que possuem interesses privatistas, clientelistas e elitistas, fazendo do Estado, o palco da concretização de interesses de tais coletividades, deixando de lado, os interesses que verdadeiramente importam: das classes menos favorecidas e marginalizadas da sociedade.

Portanto, participar politicamente não é somente uma decisão individual, mas a garantia da permanência da democracia e das pautas sociais e coletivas.

*Luciléia Colombo é professora de Ciência Política na UNESP-Araraquara.

*Gustavo Luiz Gomes Pires é discente de Ciências Sociais na UNESP-Araraquara.