Crônica: A nobre arte – ensinar a pensar
Por: Sérgio Sant’Anna*
“Não posso ensinar nada a ninguém; eu só posso fazê-los pensar”. (Sócrates)
“Professor Sérgio, lembra-se de mim? Encerrei o meu Ensino Médio em 2014. E quanta saudade sinto do senhor, das suas aulas alegres e dinâmicas, dos seus conselhos…Sei que não dei atenção aos inúmeros daqueles conselhos. Se tivesse o escutado talvez hoje não estaria assim…quando o professor começou a me dar aulas eu havia perdido o meu pai e via no professor aquela figura paterna. Só que o senhor era alegre, de sorriso fácil, sempre pronto a nos aconselhar, me lembro da seguinte frase: “Liberdade não é libertinagem”. Eu a confundi. Usei drogas ilícitas, fiquei grávida aos dezoito anos, o pai do meu filho me abandonou quando soube que eu estava grávida. Minha mãe me apoiou, mas a figura paterna não estava ali. Nem meu pai, nem meu avô, nem o pai do meu filho. Não consegui fazer a universidade que eu tanto gostaria e que o senhor tanto nos incentivou. Quantos amigos hoje estão formados, trabalhando…queria eu a UFRGS… Ano passado quando pedi ao senhor uma vaga no seu curso on-line de Redação para o ENEM, pois não tinha como pagar, o senhor nem pensou, foi logo dizendo que o curso era para mim e que o seu pagamento era me ver na universidade. Hoje, um ano depois, gostaria de agradecê-lo pessoalmente, porém o professor não está mais em Porto Alegre. Gostaria de externar minha gratidão, pois agora sou aluna UFRGS e com certeza serei aquela advogada que o senhor sempre alimentou (figura de linguagem kkkk). Muitíssimo obrigado, querido professor Sérgio!”
Essa mensagem é daqueles súbitos de alegria, que não consigo me manifestar. Por horas fiquei aqui pensando naquilo que poderia escrever. Nesse meio tempo chega até mim a notícia de que minha avó falecera. Perdi o rumo, meu porto seguro, não sabia o que escreveria; todavia, lembrei-me da minha avó Carmem me incentivando a lecionar, como ela gostava que chamássemos a nobre arte de dar aulas. E continuei a escrever depois de um hiato.
A nobre arte de ensinar a pensar é o que se deve explorar em relação às aulas dadas. Quando se formam discentes pensantes, obteremos cidadãos capazes de pensarem sobre seu lugar no mundo. Cidadãos conscientes são sim seres pensantes, capazes de buscarem soluções diante das adversidades. Estruturar caminhos dignos para que seus semelhantes possam trafegarem e alimentarem seus sonhos e esperanças. Não há conhecimento a ser disseminado se não for por intermédio do professor e sua arte em fazer com que o aluno reflita. É só este o caminho a ser trilhado. A função de decorar é arcaica e apenas algo a preencher cérebros ávidos pelo processo pensante. É uma questão de preparação. De um processo evolutivo a contar gotas. Mas, gratificante. O ato desta minha ex-aluna se arrepender faz parte desse processo analítico. Pode sim demorar alguns anos, contudo o discente refletirá. Irá sim se arrepender, entretanto ele observará e mudará. O objetivo é esse. Fazê-los evoluir. Ir além.
Não há formação cidadã, de seres conscientes e perspicazes sem que haja a influência docente. O professor tem sim um papel decisivo na sociedade, demonstrar caminhos possíveis, porém ensinar o aluno a pensar para que o mesmo possa no futuro seguir um desses caminhos, e se encontrar desafios que saiba superá-los. Utilizando o poder pensante proporcionado pelo seu cérebro e treinado através das aulas ministradas pelos seus professores. Chega de dizer que seremos superados pelas IAs, nada disso. Pelo contrário, seremos sim cada vez mais valorizados, pois a escassez de bons profissionais no mercado, requer a contratação daqueles que realmente gostam daquilo que praticam e são bons naquilo que exercem.
Ser professor pode parecer um fardo, todavia é um estado que proporciona prazer, alimenta a alma, enriquece ao conhecimento, compactua com o desejo e deságua na esperança…Sem o professor e sem seres pensantes os seres humanos estarão fadados ao fracasso, ao extermínio da própria espécie.
*Sérgio Sant’Anna é Professor de Redação no Poliedro, Professor de Literatura no Colégio Adventista e Professor de Língua Portuguesa no Anglo.
**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.