Mundo: A França rejeita a extrema-direita
O novo governo de coabitação.
Por: Luís J. Bassoli*
A França é um país enigmático, berço da democracia contemporânea; na Revolução Francesa (1789) surgiu os termos Esquerda e Direita.
Na Assembleia Constituinte, os defensores do rei e da nobreza ocuparam as cadeiras do lado direito; os simpatizantes da revolução as do lado esquerdo.
Tal disposição consolidou a nomenclatura do espectro político:
Esquerda são os progressistas, socialistas, social-democratas, secularistas (separam Estado e religião), ambientalistas, internacionalistas etc; e o subgrupo extrema-esquerda, os comunistas, anarquistas.
Direita são os conservadores, defensores do liberalismo econômico, monarquistas, teocratas, nacionalistas etc.
No início do século 20, ultrarreacionários descambam no nazifascismo, é o começo da extrema-direita.
Atualmente
Desde os anos 1990, a extrema-esquerda vem perdendo força, hoje restrita a pequenos grupos sem poder de influência.
Ressurgem movimentos ultraconservadores, de inspiração neofascista, e os chamados anarcocapitalistas.
E se consolidam os blocos moderados de centro, centro-esquerda e centro-direita.
França, século 21
A França inicia o milênio sob a presidência de Jacques Chirac (originário do Partido Comunista), eleito por uma coalizão de centro-direita; sucedido por Nicolas Sarkozy, do mesmo grupo.
Em seguida, é eleito François Hollande, do Partido Socialista (esquerda); sucedido pelo atual presidente, Emmanuel Macron, de centro.
Macron e Marine Le Pen
Macron filiou-se ao Partido Socialista em 2006, nomeado por François Hollande secretário-geral adjunto da presidência da República e, depois, ministro da Economia.
Em 2016, funda seu próprio partido, o Renascimento (de centro), e disputa a eleição presidecial no ano seguinte.
Macron derrotou Marine Le Pen, que entrou na política pelas mãos do pai, Jean-Marie Le Pen, tradicional líder da extrema-direita, cinco vezes candidato à presidência.
Ao assumir o lugar do pai, Marine ameniza o discurso radical e flexibiliza algumas opiniões: passa a defender a união homoafetiva e o direito ao aborto, o que a levou ao segundo turno e obter um terço dos votos.
Analistas sustentam que Marine Le Pen mudou o discurso por conveniência eleitoral, mas conservou os ideais da extrema-direita.
França, 2024
Diante da derrota na eleição para o Parlamento Europeu, Macron antecipou as eleições legislativas.
A extrema-direita venceu o primeiro turno, domingo (30/06), com a esquerda em segundo lugar, e a aliança de Macron em terceiro.
No segundo turno, domingo (07/07), a inversão: com o maior comparecimento do eleitorado em 40 anos, a esquerda venceu as eleições, a coligação de Macron em segundo e a extrema-direita em terceiro.
Vencedores e derrotados
O principal vencedor terá sido Jean-Luc Mélenchon, tido como de extrema-esquerda, do partido com o sugestivo nome França Insubmissa, que liderou a vitoriosa coalizão de esquerda.
Na eleição de 2017, Mélenchon ficou em 4.º lugar, empatado com o candidato da direita, François Fillon – 0,4% de diferença.
A grande derrotada, dessa vez, foi a extrema-direita.
Mesmo tendo aumentado o número de representantes no parlamento, a extremista Marine Le Pen dava a vitória como certa, e já preparava o jovem Jordan Bardella (28 anos) para ser primeiro-ministro.
Tido como “bom moço”, disciplinado e leal, Bardella é o substituto natural de Marine.
O presidente Macron sai enfraquecido do pleito, mas “aliviado” por conseguir evitar uma derrota pior.
Respeito à democracia
Ao contrário da extrema-direita brasileira e americana, ninguém questionou o resultado das urnas.
Semipresidencialismo
No confuso regime francês, o presidente da República é eleito pelo voto direto, com mandato de sete anos, e representa o Estado; o primeiro-ministro, também chamado de premiê, que representa o Governo, é indicado pelo presidente, dentre os deputados da Assembleia Nacional.
O Parlamento é bicameral: Senado, que visa aos interesses das regiões (estados) e dos residentes no exterior; e Assembleia Nacional, responsável pela Admiração pública.
A dificuldade do sistema francês se dá quando o partido do presidente da República não tem maioria na Assembleia Nacional, como acaba de acontecer.
O presidente não é obrigado a indicar o líder do partido mais votado para primeiro-ministro; geralmente, nomeia alguém que satisfaça a maioria dos deputados, sob pena de ser destituído do cargo pela Assembleia.
O futuro
A sucessão do primeiro-ministro Gabriel Attal, aliado de Macron, será uma disputa interessante.
Nenhum partido obteve maioria absoluta, a escolha do premiê dependerá de instrincadas negociações.
Macron está diante do dilema de não ter um governo de coabitação muito à esquerda, tampouco negociar com a extrema-direita.
Os grupos de centro serão determinantes – para o bem da República e da Democracia.
Como dizia o ex-presidente John F. Kennedy: “Todo homem tem dois países: o dele e a França”.
(Com: France Presse; G1; UOL; Poder 360 e agências).
* Luís José Bassoli é advogado, professor de Geopolítica do Colégio Objetivo, ex-professor de Comércio Exterior da FATEC e ex-presidente da Câmara.