Artigo: Breve análise jurídica sobre o aborto
Por: Luisinho Bassoli*
No Brasil, o aborto NÃO é
liberado em nenhuma hipótese.
O procedimento “deixa de ser punido” em três casos; dois constam do Código Penal (desde 1940); o outro por decisão do Supremo Tribunal Federal (desde 2012).
Vejamos:
- Art. 128 do Código Penal.
Não se pune o aborto praticado por médico:
I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante (aborto necessário);
II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal (aborto humanitário).
- Decisão do Plenário do STF (com votos contrários dos ministros Lewandowski e Cesar Peluso).
Deixa de punir o aborto, até três meses de gestação, se o feto for diagnosticado com Anencefalia (malformação do sistema nervoso) e não tenha condições de sobreviver fora do útero.
REFLEXÕES SOBRE O TEMA
Em relação ao “aborto necessário” (salvar a vida da mulher), não há o que discutir, está em consonância com os princípios universais do Direito.
Encontramos paralelo, por ex., no conceito da Exclusão de Ilicitude, descrito nos artigos 23 e 24 do Código Penal:
“Não há crime quando o agente pratica o fato em estado de necessidade”.
“Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, cujo sacrifício não era razoável exigir-se”.
Salvar a vida da mulher, pois, é imperativo, sendo o aborto, nesse caso, sine qua non.
No mesmo sentido, havemos de considerar o caso de fetos anencéfalos, que não sobreviverão à vida extra-uterina.
A afirmação a seguir, do jurista Luiz Carlos Furquim Vieira Segundo, na obra Crimes Contra a Vida (2009), é terminativa:
“A gravidez é um momento especial para mulher, muitas vezes imaginado desde os tempos de menina, assim, exigir que destrua o sonho de ser mãe, obrigando-a a uma gravidez de feto que não tem chance de vida extra-uterina, é violador do princípio da dignidade da pessoa humana”.
ABORTO HUMANITÁRIO
Examinar o tema de forma neutra e racional exige coragem para enfrentar o fundamentalismo religioso e o falso moralismo com interesse político-eleitoral.
Os aspectos éticos e morais vão ao encontro da abordagem jurídica em voga.
O estupro é um crime gravíssimo, brutal, desumano; a vítima é humilhada, destruída física, emocional e psicologicamente.
A gravidez resultante do ato criminoso deprime a gestante; obrigá-la a manter em seu ventre o “produto do estupro” é condená-la a um tormento brutal, desumano.
Não se trata de gravidez “indesejada”, “não planejada”, fruto de um “descuido” do casal, trata-se do resultado do crime praticado pelo estuprador, cuja mulher não contribuiu em nada para engravidar.
Obrigar a mulher/menina, que foi violentada, agredida, subjugada pelo criminoso, a manter a gravidez é expô-la, de novo, à violência.
A situação fica mais ignóbil quando a vítima é uma criança ou adolescente, que não pode sofrer tamanha dor e angústia.
(Dados oficiais apontam que 70% das vítimas de estupro são crianças e adolescentes).
Proibir o aborto resultante de estupro será um tormento sem fim para a mulher-vítima.
O argumento de se entregar o recém-nascido para adoção sucumbe à opressão a que a vítima será exposta.
Além de passar nove meses atormentada com o estupro, aguardará o dia do parto não para brindar o nascimento, como sonham as mães, e sim para se livrar da lembrança da violência sofrida.
Para piorar, vai ter que superar o trauma imediato de entregar o nascituro para outra pessoa.
Não para por aí: passará o resto da vida imaginando onde estará o descendente do bandido que destruiu sua vida.
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
O artigo 1.º, inciso III, da Constituição Federal, garante o respeito à dignidade da pessoa humana.
O artigo 5.º, inciso III, assegura que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.
Obrigar a mulher a manter uma gestação de feto anencéfalo ou resultado de estrupo equivale a submetê-la a tortura, o que fere a dignidade da pessoa humana.
Portanto, o projeto de lei que quer criminalizar a vítima de estupro e a gestante de feto inviável para sobreviver fora do útero é inconstitucional.
PARA MEDITAR
São Tomás de Aquino, teólogo e filósofo escolástico, disse:
“Toda lei constituída pelos homens tem força de lei só na medida em que deriva da lei natural, a luz da inteligência infundida por Deus em nós”.
A gravidez resultante de estupro não é da lei natural; Deus não unge estupradores e criminosos e não imporia uma tortura à vítima.
CONCLUSÃO
A proposta da “bancada do estupro” do Congresso Nacional de criminalizar o aborto legal é mais um ataque à população pobre.
Todos sabem que as filhas dos ricos que forem engravidadas por bandidos ou maníacos sexuais, farão o procedimento em uma clínica particular, em sigilo e com segurança.
O projeto em tela visa impedir o acesso das vítimas que não têm dinheiro: é a necropolítica da extrema-direita.
» INFORMAÇÃO ADICIONAL
O aborto é legalizado em mais de 70 países, entre eles:
- Israel
- Hungria
- Itália
- Portugal
- Inglaterra
- França
- Alemanha
- Espanha
- Bélgica
- Suécia
- Suíça
- Grécia
- Austrália
- Nova Zelândia
- Canadá
- EUA (70% dos estados)
- México
- Argentina
- Uruguai
- Japão (mediante autorização)
- Coreia do Sul
- Ucrânia
- Rússia
- Turquia
- África do Sul
* Países com legislação análoga a do Brasil:
- China
- Índia
- Chile
- Paraguai
- Síria
- Irã
- Afeganistão
- Nigéria
- Indonésia
* Países que proíbem o aborto:
- Nicarágua
- Honduras
- Suriname
- República Dominicana
- Senegal
- Egito
- Madagascar
* Luís José Bassoli é advogado, graduado pela Universidade Mackenzie, formado pela Escola de Governo de São Paulo, pós-graduado em Didática para o Ensino Superior pela Unip.
**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.