Crônica: Em todos mais invernos que aqui estiver
Por: Sérgio Sant’Anna*
Faz frio. Ele chegou de repente, não alardeou, passou pela fronteira e hoje o amanhecer é gelado. Junho instalou-se e com ele o anúncio de uma nova Estação, que aprendo a conviver… Digo que aprendo a conviver, pois, mesmo morando pelo Sul do País há 19 anos (15 anos em Porto Alegre e há quatro anos em Tubarão, Santa Catarina) ainda sinto um frio como um paulista recém-chegado ao Sul. Assim como o pessoal da Editora Abril me chamava, ali na rua dos Andradas em Porto Alegre no início de 2007, “o paulista veio de armadura”. Sim. Era muito frio. Abaixo dos dez graus. Inventei de ir à São Francisco de Paula na casa de uma casal de amigos. Isso em 2007. Cheguei na rodoviária portando um sobretudo. Foi a minha estreia com uma vestimenta dessas. Frio para mim, 19 graus. Em São Chico fazia -6ºC (isso, menos seis), um vento cortante, era o Minuano assoviando. Manta, mais alguns casacos, luva, toca. Não fora suficiente. Na casa, fogão à lenha, sopão e muito vinho.
Essa semana quando os termômetros chegaram aos sete graus, aqui em Tubarão, senti aquela sensação gostosa, porém incômoda quando o acesso à rua faz-se necessário. Não hesitei. Caminhei algumas quadras até um dos colégios que leciono. Pessoas encasacadas, outras nem tanto, e sempre aqueles corajosos – vestindo bermuda e camiseta (tenho um aluno assim). Jamais conseguirei alcançar tal feito. Embora, a cidade de Tubarão tenha pouquíssimos moradores de rua, jamais me esqueço daqueles que nada possuem para passar um inverno com dignidade. E os colégios os quais leciono são sempre lançadores de campanhas para combater essa desigualdade. Lembro-me de Porto Alegre. Aqueles viadutos lotados. Homens e mulheres aglomerados. Alguns com cobertas, outros à base das drogas. Pelas ruas passavam kombis oferecendo caldos quentes, pães, além de um banho quente…coisas de capital. Imagino hoje após esse caos. Quantas famílias estão passando frio, quantas crianças sem um banho quente, quantos estômagos sem comida. O frio é voraz. Exige de nós energia, e a comida é o suporte para enfrentar este problema.
Quantos amigos perderam tudo, e estão lutando para retornarem à rotina…triste. E pensar que os poderosos poderiam ter evitado, e podem combater essa situação. Porém, só aquele que passou ou que acompanhou de perto sente-se empático com essa situação. O altruísmo é uma virtude. Lutar pelo e com seu semelhante é um gesto de nobreza, é a plenitude da dignidade humana. Mas, parece-me que alguns pensam com dignidade, com humanidade…
Continuarei avesso ao inverno, mas jamais me esquecerei das minhas origens, dos banhos gelados em pleno o inverno, dos casacos não comprados pela ausência de capital, das gripes e resfriados adquiridos…contudo, o sorriso alimentado por uma família que sempre me inspirou, apesar dos inúmeros problemas, a ajudar ao meu semelhante. Assim serei. Em todos mais invernos que aqui estiver…
*Sérgio Sant’Anna é Professor de Redação no Poliedro, Professor de Literatura no Colégio Adventista e Professor de Língua Portuguesa no Anglo.
**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.