22 de novembro de 2024
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Crônica: Redescobrir Machado de Assis é um pleonasmo

Por: Sérgio Sant’Anna*

Redescobriram Machado de Assis. Precisamente, uma estadunidense leu, pela primeira vez, sua obra realista “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e teceu pelas redes sociais seu comentário (nada de novo para quem já o leu) e como num passe de mágica o “Bruxo do Cosme Velho”, através de sua obra de 1881, tornou-se o mais vendido dentre os escritores deste vasto mundo literário.

Fabuloso, sensacional, gratificante o que a leitora dos Estados Unidos da América fez. Porém, tornar a obra machadiana um ícone, um paradigma só pelo fato de ter sido lido, pela primeira vez por uma crítica estadunidense, convenhamos, é pleonasmo. Há décadas o escritor carioca é estudado com afinco nas escolas e colégios brasileiros, principalmente no Ensino Médio. Nas universidades e faculdades cujos cursos de Letras existem, Machado possui cursos específicos assim como suas obras, mais especificamente aquelas que o escritor negro, primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), escreveu durante o período realista de nossa literatura. A obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas” inaugurou o Realismo Brasileiro em 1881 e modificou toda uma configuração narrativa usada até aquele momento pelos consagrados romancistas.

Machado de Assis, durante décadas, teve sua negritude escondida pela sociedade, esquecida propositalmente pelos livros didáticos de outrora que pintavam Machado como branco. Por isso, essa ascensão aos canônes literários tenha demorado, porém há décadas as grandes  universidades, que se dedicam à Literatura colocam o escritor de “Helena” (romance de outra fase machadiana, o Romantismo) como um dos principais do mundo. A tríade literária: “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Quincas Borba” e “Dom Casmurro” são obras envolventes, reflexivas e estimulantes que ganham releituras para todas as idades.

Salientar a importância do ensino de Literatura já no início do Ensino Fundamental II para nossos estudantes é vital para que escritores do calibre de Machado de Assis não sejam apagados pelo tempo e necessitem de comentários estrangeiros para que seja lido. Nada contra os comentários difundidos pela blogueira, todavia inúmeros estudos de grandes especialistas brasileiros sempre nos alertaram para os benefícios de se ler Machado.

O ícone da nossa literatura não se resume a uma única obra e gêneros. Machado foi muitos. Escreveu poesias, romances, contos belíssimos; versou pelos poemas e se tornou um dos paradigmas da crônica. De “Helena” à “Mão e a luva”, o escritor, que inspirou Moacyr Scliar a escrever, “O mistério da Casa Verde” e “Ciumento de Carteirinha”, não pode ser classificado como o homem de uma obra só. E mais: redescobrir Machado de Assis é pleonasmo. Eça de Queiroz ficou para trás.

*Sérgio Sant’Anna é Professor de Redação no Poliedro, Professor de Literatura no Colégio Adventista e Professor de Língua Portuguesa no Anglo.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.