Artigo: Ainda sobre o Dia das Mães…papel de bala
Por: Paulo Cesar Cedran*
Morando por alguns anos na propriedade do senhor Itaro Ogata, meus avós Teodoro e Hercília, com seus filhos, dentre eles minha mãe Idiná puderam aprender um pouco da cultura japonesa e nesse processo de troca cultural, com certeza também influenciou esses imigrantes, que como eles descendentes de italianos e portugueses, formaram a cultura peculiar do Brasil. Minha mãe lembrava, com muita saudade, dos festivais japoneses organizados pela família Ogata, que incluía apresentação teatral, danças, jogos, comidas típicas em geral. Tendo uma voz privilegiada, ela dizia ter sido escolhida para cantar com uma amiga japonesa, uma canção que fora apresentada num destes festivais. E cantava para nós. Pena que não tenho nenhum registro da músou do tema que ela tratava. Dessa influência, acredito que minha mãe herdou o respeito pelo meio ambiente, o cuidado com o espaço comum, o zelo pelo reparo e conserto de peças e objetos antigos que porventura viessem a se quebrar. Tudo podia ser restaurado, arrumado, limpo, consertado. Falar baixo e pouco, ouvir mais, ficar reservado, características nada típicas dos imigrantes portugueses ou italianos. Dentre eles, também para nos educar, minha mãe tinha o costume de atribuir aos objetos inanimados, sentimentos humanos, que faziam de mim e meu irmão, refém de uma maneira peculiar por zelar e cuidar, que trazemos até hoje. Assim era com os brinquedos que ficavam tristes se nós os quebrássemos. As rodinhas dos carrinhos choravam solitárias se não fossem colocadas no lugar certo.
Os nossos poucos, mas significativos brinquedos também não gostavam de serem guardados sujos. Nossas roupas sentiam dor se fossem rasgadas, assim como nossos sapatos se fossem pisados ou jogados de qualquer jeito. Ouvir isso de sua mãe, causava em nós um sentimento de remorso, diante das travessuras cometidas. Assim, crescemos de certa forma preservando um pouco de todos esses ensinamentos. Gostamos também de nosso pai, que, ainda hoje, nos dá algo para guardar e de forma grave diz:- “Essa é uma moeda antiga, um chaveiro valioso, um jornal para ser preservado, um livro a ser conservado, como ele também gostava de conservar. Nem falo nessa crônica, de como era nossa relação com os animais. Fica para outra história. O máximo de tudo isso, ficou presente nos inúmeros papeis de bala, chicletes e doces; enfim, de tudo o que consumíamos e que não deveria ser deixado para trás, ou jogado fora de nossa casa. “Guardem no bolso, senão eles vão chorar, tadinhos. Jogar pelo vidro do carro, na estrada, imaginem a gente indo embora e eles ficando chorando…” Assim, ainda hoje não conseguimos jogar papel pelo vidro do carro. Adultos, sabemos que eles não irão chorar. Mas sei que nossa mãe, com certeza, não aprovaria. Causa justa, guardar seus ensinamentos, cuidar do meio ambiente. Que ironia a vida nos prega, como foi triste o momento em que, já falecida, a encontramos na capela do hospital, envolta em lençóis, e eu e minha irmão Téo, impotentes, abraçamos, beijamos, choramos e nos despedimos, deixando-a para trás, como um papel de bala, atirado pelo vidro do carro na estrada, tal como a deixamos lá, junto à lápide fria do cemitério, sem poder guardá-la para sempre conosco. Não como um objeto, mas como nossa mãe que, como todas as mães, nunca poderiam morrer.
*Paulo Cesar Cedran é Mestre em Sociologia, Doutor em Educação Escolar, Docente do Centro Universitário Moura Lacerda – Ribeirão Preto (SP).
**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.