Crônica: O texto fora de contexto é pretexto para protesto
Por: Sérgio Sant’Anna*
Talvez o título desta crônica não tenha ficado tão explícito como pretendia o leitor, acostumado a títulos fáceis e textos sem conteúdo algum, todavia a proposta aqui é realmente fazer jus ao título exposto. É como digo aos meus alunos: o título vem após seu texto concluído, pois ele é o nome a ser dado ao seu filho, portanto, livra-nos do mal-do-século – filho feio com nome bonito; nome feio para filho bonito. Sabem eles que é uma brincadeira, uma forma de convidá-los a refletir sobre o nome a ser dado ao seu texto. E por que ao finalizar, professor? O título é uma síntese do texto discorrido. Faz parte de um processo linguístico que se inicia com o assunto, depois temos o tema e consequentemente, após o texto concluso, dá-se o título após o filho esculpido e encarnado ao tema. É isso! Complexo, nem um pouco. Apenas um acumulado de palavras, distribuídas em frases, na sua maioria verbais, dispostas à construção textual. Nada que a bunda na cadeira e olhar atento ao processo de leitura não resolva. A solução foi destacada na oração anterior: ler.
Os modernistas especificamente, Oswald de Andrade, seria ideal para o processo de construção desta crônica, compositor da rica expressão: “A gente escreve o que ouve, nunca o que houve”. O criador da peça teatral gigantesca, “O rei da vela”, o escritor soube como poucos dar valor para a palavra. Natural de um movimento que revolucionou a cultura nacional, especificamente o mundo das artes, o ex-marido de Pagu foi genial em suas construções, talvez a vida afetiva não tenha sido lá essas coisas, contudo aqui tratamos sobre o texto e seu contexto, e quando tratamos deste assunto (ou tema?), o poeta modernista é soberano. Um ícone. Vital para aqueles que almejam destaque nos principais vestibulares do Brasil, e para os demais, pois Oswald, assim como os demais modernistas, são essenciais para a explicar a transformação da cultura nacional após a Semana de 1922. Sei que as discordâncias quanto aos modernistas e sua inovação chegarão aos comentários proferidos nas páginas do periódico em que o texto será publicado, porém foi como apontei no título: o texto fora de contexto é pretexto para protesto. Ou seja, não é que pretenda ser soberano diante desta minha criação, todavia apresento fatos, não trato apenas do campo subjetivo trazido pela leitura de textos reflexivos e poéticos, abocanho-me da história que acompanha toda chegada e permanência dessa geração (modernistas) na sala principal da cultura brasileira. Logo, leia, não deixe de opinar, e se faltar embasamento, leia mais um pouco…como afirmei em minha crônica publicada anteriormente a esta: devemos ser socráticos e admitirmos nossa ignorância.
E quando falo em ignorância, não pense o leitor que haja quaisquer referências pejorativas, pelo contrário, há sim aqui um aglomerado de incentivos, talvez alguns implícitos e isso faz parte do processo de construção de qualquer texto. “Basta ler nas entrelinhas, afirmara o professor” (kkkkkk). Nas duas últimas semanas de fevereiro fui convidado pelo Padre William, aqui de Tubarão, responsável pelo Seminário, para dois dias (seis horas de aula) para dar um curso aos futuros padres sobre hábitos de estudo. Aceitei prontamente sem pensar em qualquer valor a ser pago a este docente. Todavia, fui logo tratando de começar pelo combustível, ou seja, pela leitura. Muito falei, apresentei, opinei, porém muito aprendi. Ao final do primeiro dia de aula padre William levou-me acompanhado dos jovens para uma sala de estudos onde expunha uma obra, “O retorno do filho pródigo”, de Rembrandt. E foi aí que a aula proferida pelo sacerdote envolveu-me num banho de cultura que cheguei em casa fascinado. Quanto conhecimento difundido pelo padre e contido naquela obra que eu apenas conhecia através dos livros de História da Arte, porém sem nenhum preparo técnico da minha parte. Aprendemos sempre. E essa nossa ignorância deve ser apresentada para cada vez mais estarmos capacitados para poder ascendermo-nos. É essa nossa tarefa, é essa a sua função como cidadão. E você que é meu aluno sabe muito bem: somos seres em formação e transformação, portanto, o conhecimento sempre será bem-vindo.
Ademais, e não menos importante diante desse meu desenvolvimento nesta crônica de sábado, não poderia deixar de apresentar por aqui o genial psicanalista Lacan com sua magistral frase: “Você pode saber o que disse, mas nunca o que o outro escutou”. Uma simples frase verbal, porém de uma riqueza semântica imensurável. Muito analisada durante às aulas de Análise do Discurso em Araraquara. Aqui o discípulo de Freud leva ao extremo a questão da sapiência ao dizer, entretanto a liberdade que é dada ao outro para interpretar. O seu discurso pode ser cuidado, há tempo para poli-lo, contudo o outro possui totais elementos para interpretá-lo, adequá-lo às suas convicções. Não há controle de que forma as pessoas podem recebê-lo. E é essa bagagem cultural que necessita ser enriquecida. Precisamos estar aptos ao conhecimento. Afoitos pelo saber. Sei que não sei e pronto.
Portanto, acredito que nestes breves parágrafos, acumulados de inúmeros verbetes, cheguei ao final desta crônica procurando fazer jus ao título centralizado logo acima.
P.S.: Não espalhem: o título desta minha crônica foi colocado antes deste professor começar a escrevê-la. Espero que eu tenha acertado. Nome bonito, filho bonito.
*Sérgio Sant’Anna é Professor de Redação no Poliedro, Professor de Literatura no Colégio Adventista e Professor de Língua Portuguesa no Anglo.
**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.