22 de novembro de 2024
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Artigo: OTAN, Oriente Médio, China, Rússia, Sul Global – o ocaso do Império Ianque

Por: Luís Bassoli*

O domínio estadunidense, entre os grandes impérios da História, poderá ser o de menor duração no tempo.

O Império Romano, o mais duradouro: 1.480 anos; o Otomano durou 600 anos e terminou na 1.ª Guerra Mundial; o Britânico perdurou por 400 anos, até a devolução de Hong Kong à China em 1997; a Dinastia Qing, do Império Chinês moderno, se estendeu por 270 anos, se encerrando em 1912.

O Império Norte-americano, grosso modo, começou ao fim da 2.ª Guerra, com auge nos anos 1990, após o desmantelamento da União Soviética.

O filósofo e economista estadunidense Francis Fukuyama chegou a retomar a teoria do “Fim da História”: a democracia capitalista liberal ocidental, sob a égide dos EUA, seria incontestável e eterna.

Pois o Século 21 se inicia com os ataques de 11 de setembro de 2001 – e desautorizou a tese de Fukuyama.

Não há como descrever a trajetória, em ordem cronológica, pois atitudes de seguidos governos americanos se emaranham com atos anteriores, nas áreas política, econômica e militar.

Vamos tentar resumir:

Guerra do Iraque

Sob a presidência de George W. Bush, os EUA invadem o Iraque, em 2003, sem autorização da ONU, o que aponta um “desprezo” pelo Direito Internacional.

Matar Saddam Hussein foi um erro. O líder era uma espécie de contenção do inimigo em comum Irã. Sem comando, o Iraque se esfacelou e permitiu ao Irã se impor como potência no Oriente Médio.

Afeganistão

Os EUA erraram por duas vezes. Nos anos 1970/80, apoiaram o “guerrilheiro” muçulmano Osama bin Laden contra os soviéticos, que tinham invadido o país, na velha tática de fortalecer o “inimigo do inimigo”. Com o fim da URSS, Bin Laden fundou o grupo terrorista Al Qaeda, responsável pelo 11 de Setembro – a criatura se voltou contra o criador.

Um mês depois dos ataques, invadiram o Afeganistão para derrubar o governo fundamentalista islâmico do grupo Talibã – e se meteram num atoleiro, saíram do país vinte anos depois, de forma desordenada, possibilitando a volta do Talibã ao poder.

Crise de 2008

Nos anos 90, o setor financeiro norte-americano disponibilizava crédito fácil para compra de casas, tendo como garantia a própria propriedade, a conhecida hipoteca. Isso aumentou a procura e, consequentemente, elevou o preço dos imóveis.

Os bancos, gradualmente, subiram os juros e refinanciaram os empréstimos, com o mesmo imóvel de garantia, o que gerou a “bolha imobiliária”: o valor da casa não cobria a dívida da inadimplência.

A falência do tradicional banco Lehman Brothers, em 2008, desencadeou uma reação em cadeia que levou à pior recessão desde a Crise de 1929.

O Tesouro americano injetou US$ 2 trilhões para salvar os banqueiros, e fez um aporte de US$ 50 bilhões para comprar 60% da fábrica de automóveis GM, enterrando a tese do livre-mercado e da não-intervenção estatal na economia.

China

Enquanto os EUA se desindustrializavam, com o avanço do setor financeiro-especulativo, a China se consolidava como a segunda maior economia do planeta, investindo na produção industrial e no combate à pobreza.

Há trinta anos, 80% dos chineses viviam na miséria; hoje, a taxa oficial de pobreza é de 1%, contra 12% nos EUA.

A agência americana Bloomberg diz que a economia da China superará a dos EUA até 2040; o Fundo Monetário Internacional (FMI) diz que, pelo Poder de Paridade de Compra (PPP), o PIB chinês já superou o estadunidense.

O renascimento da Rússia

Com o fim da URSS, a Rússia enfrentou uma crise generalizada que a excluiu dos debates geopolítiticos.

O Império Americano tratou de fomentar o descrédito da Rússia e, aparentemente, acreditou que subjulgaria o antigo inimigo da Guerra Fria.

No final dos anos 90, a ascensão de Vladimir Putin dá início ao processo de recuperação do prestígio russo. Sem poder “enfrentar” o Ocidente no campo econômico, Putin passa a valorizar o poderio bélico para “exigir” a volta do país ao centro das decisões.

Os EUA, pelo visto, não tinham uma estratégia para lidar com o ressurgimento da Rússia; dois anos antes da ascensão de Putin, optaram por “conceder” um lugar no G-7 (grupo das então maiores economias), que passou a G-8, mesmo o país não estando entre as grandes economias.

Em 2006, a Rússia foi sede do encontro do G-8 e assumiu a presidência do grupo – Putin conseguira seu intento.

Em 2014, o governo Barack Obama aplicou sanções à Rússia pela anexação da Criméia e o G-8 volta a ser G-7.

Putin se encontrou com o presidente da China, Xi Jinping, em Pequim, e juntos assinaram diversos acordos – desde então, vêm estreitando a parceria.

A Rússia aprimorou seu poderio, superando os EUA em vários pontos.

Destaque para o míssil hipersônico Kinzhal, lançado por avião; o míssil balístico intercontinental Satã 2, capaz de atingir qualquer parte do planeta em 5 minutos, armado com 10 ogivas nucleares, cada uma 50 vezes mais poderosa que a bomba de Hiroshima; e o megatorpedo submarino Poseidon, uma arma inédita, movida por reator nuclear, que navega a grande profundidade e alta velocidade, carregada de uma ogiva atômica 160 vezes mais destrutiva que a de Hiroshima.

OTAN

A Organização do Tratado do Atlântico Norte é uma aliança militar criada em 1949 e liderada pelos EUA, como sistema de defesa às ameaças soviéticas, com 12 países, entre eles Reino Unido, Canadá, França e Itália.

Em 1955, para se contrapor à OTAN, a União Soviética, antiga denominação da Rússia, criou o Pacto de Varsóvia, com Polônia, Hungria, Bulgária, Romênia.

Em 1991, o Pacto de Varsóvia foi extinto, mas a OTAN continuou a se expandir; hoje conta com 31 países, incluindo os ex-adversários Hungria, Bulgária e Romênia.

Sem o inimigo, a OTAN deixou de ser um órgão de defesa coletiva para se tornar um organismo de “controle” americano sobre seus membros, o que, por vezes, gera desconforto interno em alguns países.

Na prática, é financiada pelos EUA, muitos associados estão inadimplentes ou contribuem com valores irrisórios.

Brics e o Sul Global

O termo BRIC teria sido criado, em 2001, pelo analista norte-americano Jim O’Neil, para citar, em tom de ironia, todos os países emergentes, sob as iniciais de Brasil, Rússia, Índia e China.

Os EUA não levaram a sério a hipótese de esses países se organizarem.

Contudo, o bloco avançou e, em 2024, se estabeleceu como BRICS-10: Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes, Irã e Etiópia.

O BRICS-10 é a essência do Sul Global, termo que requalificou a expressão “países subdesenvolvidos”, pois detém as maiores reservas de petróleo, gás e alimentos do mundo e um PIB superior ao do G-7.

Dezenas de nações têm interesse em ingressar no grupo: Indonésia, Turquia, Argélia, Bahein, Nigéria, Kuweit, Venezuela; um BRICS-20 dominaria a questão energética, a produção de alimentos e as reservas minerais, concentrando mais de 60% dos habitantes do planeta.

Renomadas empresas de consultoria, como a Forbes, projetam que, em 2050, a China será a maior economia do mundo, a Índia a segunda, com os EUA caindo para terceira posição, seguidos por Indonésia, Brasil e Rússia.

De novo, os EUA não têm nenhuma estratégia para se relacionar com o BRICS e tampouco com o Sul Global.

Fator Donald Trump

O governo Trump aprofundou a crise nas relações exteriores.

Sua política de extrema-direita corroeu os pilares morais que eram a “marca” dos EUA: Democracia, respeito às Leis e aos Direitos Humanos.

A falta de compostura do ex-presidente arruinou a imagem de líder do mundo livre, da qual Republicanos e Democratas se orgulhavam.

O “America First”, nome de sua política externa, fincada no nacionalismo e unilateralismo, causou problemas em tradicionais aliados; a soberba do ex (e possivelmente futuro) presidente intensificou o isolamento do Império.

Trump não poupou nem os aliados da OTAN, chegando a ameaçar não defender a Europa num eventual ataque russo, já que “todos os países estavam inadimplentes”.

A aventura ucraniana

O governo Joe Biden tem sido atabalhoado – para não dizer desastroso.

Ao se aliar incondicionalmente à Ucrânia contra a Rússia, numa guerra impossível de ser vencida, o governo Biden alimenta a sensação de enfraquecimento do Império.

Pra piorar, Biden exigiu o engajamento da OTAN, o que desprestigiou a organização, frente à inevitável vitória russa.

A destruição do gasoduto Nord Stream, que levava gás da Rússia à Europa, prejudicou sobremaneira a Alemanha, causando uma crise energética que afetou a economia do aliado, sem causar prejuízo à Rússia, que passou a vender o gás para China e Índia.

Israel e o genocídio em Gaza

Ao vetar, sozinho, a proposta do Brasil para Gaza, no Conselho de Segurança da ONU, no intuito de agradar a milionária máquina sionista-estadunidense, financiadora de sua campanha à reeleição, Biden deu uma “carta-branca” ao extremista israelita Benjamin Netanyahu para eliminar o povo palestino.

Tal atitude abalou os laços com os tradicionais aliados Arábia Saudita e Egito, e incentivou os grupos islâmicos Hezbollah libanês, Hezbollah Kata’ib iraquiano e Houthis do Iêmen, além do próprio Hamas.

A ineficiência da intimidação

A melhor forma de dissuasão continua sendo as armas nucleares, que, inicialmente, eram restritas a cinco países: EUA, Rússia, China, Reino Unido e França; depois, os rivais, entre si, Índia e Paquistão (ambos com boas relações com Washington), e o aliado Israel.

Em 2008, a Coreia do Norte, nação hostil, adquiriu seu artefato atômico; o Irã, se já não possui, o terá em breve – a dissuasão nuclear passou a ser de mão-dupla e se neutralizou.

Porta-aviões

A marinha americana é, de longe, a mais poderosa do mundo – e continuará sendo por décadas.

São 12 porta-aviões, todos de propulsão nuclear e armados até os dentes, inclusive com mísseis atômicos, utilizados, por décadas, como intimidação, fortalezas flutuantes praticamente indestrutíveis.

Recentemente, a situação se alterou, o grupo iemenita Houthis impôs um bloqueio à navegação comercial no Mar Vermelho, que a marinha americana não consegue evitar.

Os Houthis adquiriram sofisticados mísseis balísticos, de longo alcance, que já atacaram navios mercantes que ousaram romper o bloqueio.

Dificilmente um míssil “afundaria” o porta-aviões USS Gerald Ford, a “plataforma mais letal do mundo”, que estava nos arredores, mas a possibilidade de ser atingido seria uma derrota moral sem precedente.

Por isso, os EUA determinaram o retorno do navio ao porto de origem, o que mostra que o Império está revendo suas estratégias.

Conclusão

Os seguidos erros dos governantes serão os responsáveis pelo abreviamento da duração do Império Ianque.

Possivelmente, em breve, nascerá uma era sem a preponderância de uma única potência – um mundo multipolar, com os EUA convivendo com outras nações e/ou blocos de nações nas relações internacionais.

* Luís Bassoli é advogado e ex-presidente da Câmara Municipal de Taquaritinga (SP).

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

(Com: Canal Pepe Café; Canal Arte da Guerra; CNNBrasil; G1; Politize!; TV 247; Agência Brasil; SciELO; ForbesBrasil; Wikipédia e agências. Colaboração: Ernesto Louzada Bassoli).