22 de dezembro de 2024
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Crônica: O texto ideal

Por: Sérgio Sant’Anna*

Sabe aquele texto que tu tens a vontade louca de escrevê-lo, não anota a ideia em um papel ou qualquer canto que possa grafá-lo, então quando deseja começar a lapidá-lo, eis que não se lembra mais. A memória não é confiável, pode te enganar. Lembro-me do Inácio de Loyola Brandão relatando, numa entrevista, que sempre andava com uma caderneta no bolso, daquelas antigas em que nossos avós utilizavam para marcar o que foi comprado na venda ao longo do mês. Era lá que o escritor araraquarense anotava suas ideias e depois sentava para delineá-las nos seus mais brilhantes textos. Quantas crônicas do Inácio falaram sobre o meu cotidiano…

Temos a certeza que tudo ficará guardado ali, naquele cantinho do cérebro, porém somos traídos (“quem já não foi traído que atire a primeira pedra”), acordamos noutro dia e nada mais para escrever, seria isto o branco que tanto os meus alunos relatam quando enfrentam a maratona dos vestibulares? Não sei! Volto, refaço o que fiz no dia anterior, e nada… Onde estará o meu mais perfeito texto, minha obra prima?

 Neste início de ano almejava escrever algo alegre, que emanasse felicidade, exalasse o mais doce e eterno perfume da amizade; gostaria de fazê-la sorrir, de ativar ao cérebro daquele que desejava não adquirir ao Mal de Alzheimer, daquela senhora solitária que recorre à internet para ler alguns textos, buscar entretenimento, algo diferente da TV ou mesmo dos periódicos sádicos. Desejaria ter escrito algumas palavras que não se assemelhassem a qualquer coisa que os remeta a autoajuda, mas que os levasse a um período de reflexão, algo que envolvesse o pensar, que ativasse alguns neurônios, que os tirasse do lugar-comum. A inatividade cerebral é o Mal-do-Século. Adultos não estão mais pensando, jovens não estão mais pensando, as crianças não estão mais pensando, tudo já está pensado, as pessoas procuram aquilo que já fora definido, concretizado, é mais fácil. Diz o Oráculo de Delfos da Pós-Modernidade: “O Google é o meu pastor e nada me faltará…”.

 A dona de casa não é mais dona de casa, pois não cuida mais da sua casa. Possui lavadora-de-louças, lavadora-de-roupas, funcionária para a limpeza e os filhos estão na escolinha em tempo integral. O que sobrou pra ela? A comida feita ao marido, que foi comprada num destes restaurantes que realizam entregas em domicílios (em domicílio, e não a domicílio). Ah, já ia me esquecendo: o cãozinho da família, que passa alguns dias no pet. Nestas o marido que passa a maior parte do tempo trabalhando e os filhos estudando, realizando outras atividades extraescolares etc. Resolvem se encontrar aos finais de semana ou talvez numa noite para jantar, porém todos se encontram exausto, cada um de um lado, e a TV a lhes enganar.

Da política poderia alavancar dezenas de fatos que permeiam o nosso País, mas seria repetitivo, não exaltaria o pensar, como havia proposto antes de começar o texto. Também poderia falar sobre a profissão professor e sua dignidade infelizmente não reconhecida pelos nossos governantes, porém travaria um debate crucial com aqueles que se encontram no poder que insistem em não pagar o piso aos que o exigem por direito. Gente: há tanta coisa correndo por debaixo desta ponte ou será pela rampa do Congresso Nacional, enfim, o caminho é árduo, tenso, são as veredas do Guimarães.

Já tinha feito a minha lista: acabar com a corrupção, plástica, , homofobia, Guerras, Big Brother Brasil, os assassinatos este ano na cidade do Rio de Janeiro devido às balas perdidas (o interessante é que essas balas são achadas em inocentes), as notas na prova de Redação do ENEM, o final dos exames vestibulares, os recursos tecnológicos, o tempo ou a falta dele, traição, desafetos, amigos, ; os assuntos são vários, os temas estão aí para serem debatidos, porém o texto que produziria, perdeu-se nas muitas informações que nos bombardeiam estes dias, e a ineficácia de nossa memória quando não é ajudada.

 O meu texto deveria sair, mas…

*Sérgio Sant’Anna é Professor de Redação no Poliedro, Professor de Literatura no Colégio Adventista e Professor de Língua Portuguesa no Anglo.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.