22 de novembro de 2024
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Artigo: Que droga!

Por: Rodrigo Segantini

No meu tempo ao longo do que hoje é o Ensino Fundamental II, comecei a ter uma atuação mais presente na militância estudantil: eu era o representante de classe, era o editor do jornalzinho da escola, organizava as reivindicações dos alunos. Quando fui para o que atualmente é chamado de Ensino Médio, essa atuação se intensificou: tornei-me presidente do Grêmio Estudantil, fui secretário do conselho pedagógico da escola, ajudei a organizar a diretoria da União Municipal dos Estudantes.

Naquela época, meus professores claramente se identificavam com pautas à esquerda do espectro partidário, até então predominantemente petista, e falavam isso abertamente, com muita naturalidade. Tenho comigo que, durante minha trajetória escolar, convivi e tive aulas com professores notavelmente doutrinadores, que fundavam suas lições em sua visão de mundo e que pretendiam claramente me instruir no sentido de suas opiniões políticas.

Fui um sujeito de sorte, porque todos os meus professores foram pessoas muito competentes, verdadeiros mestres, que abriram minha mente e meu coração para um mundo que ia além das paredes da minha casa e para pessoas além daquelas que estavam na bolha de minha convivência diária. Contudo, apesar do brilhantismo de sua docência e da paixão deles pelos alunos, não me tornei uma pessoa que se posiciona à esquerda.

Isso não quer dizer que falharam em sua doutrinação. Pelo contrário, quer dizer que desempenharam seu papel com tamanha generosidade pois, mesmo encontrando um moleque impertinente e metido a sabe-tudo, foram capazes de moldar seu caráter como um sujeito apto a viver em sociedade e souberam como direcioná-lo em seu ímpeto de tornar o mundo um lugar melhor. 35, 30 anos depois, aqui estou eu, dedicado durante toda a minha vida profissional, por coincidência ou por destino, ao serviço público.

Sou absolutamente grato pela oportunidade que tive de ter professores que hoje seriam tidos como doutrinadores e é por isso que abomino e repudio veementemente qualquer tipo de movimento que pretenda impor limites ao ofício do magistério – seja criando uma excrescência chamada “Escola sem Partido”, seja diminuindo o mister do professorado ao ainda que minimamente compará-lo a traficantes de drogas, como o deputado federal Eduardo Bolsonaro fez recentemente.

Eduardo Bolsonaro disse que professores são como traficantes de drogas e alertou aos pais que é preciso que os pais participem mais ativamente de seus filhos para saber o que estão aprendendo na escola. De fato, os pais precisam mesmo participar mais ativamente da vida escolar de seus filhos. Sei o nome de todos os professores que já assistiram a meu filho Arthur, sei todas as matérias que está estudando e acompanho o andamento de sua preparação para trabalhos e provas. Posso garantir que os professores que tive, assim como os professores que meu filho teve e ainda tem não são nem de longe assemelhados a bandidos, como sugere o deputado. Não sei que tipo de escola o deputado Bolsonaro estudou ou em qual escola tem pensado em matricular sua filhinha ainda muito pequena. Talvez, ele mesmo tenha que pensar melhor nos ambientes que frequenta e nas companhias com as quais convive.

Todo mundo se lembra com carinho e afeto de um ou mais professores. Eu lembro com muitíssimo carinho de todos os meus professores, desde as tias Maria José e Amarilis, dupla que me deu aula no antigo pré-primário e que concluíram minha alfabetização, até o professor Luís de Moraes, que me deixou de exame final em Direito Civil na faculdade por apenas meio ponto para ver se quebrava minha soberba e minha arrogância – o que obviamente não conseguiu. Meus professores, todos eles, formaram meu caráter e o máximo de droga a que tiveram contato neste seu ofício quanto a mim foi com minha nociva personalidade.

Para Bolsonaro, professores e traficantes são equivalentes, o que nos leva a crer que, em sua visão diminuta e restrita, educação e drogas são equivalentes. Porém, se tivéssemos educação de qualidade tanto como as drogas traficadas no país e cujo combate nem sempre é eficiente, teríamos, por exemplo, melhores deputados e menos declarações tão idiotas propaladas por presumidas autoridades, que falam em terra plana e combatem vacina, assim como os que defendem a necessidade de um pronome neutro na língua portuguesa ou defendem um governo ditatorial como se fosse uma democracia. Droga não é igual Educação, como sugeriu Bolsonaro. Droga é a gente não ter boas opções de candidatos para podermos votar para cargos públicos.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.