Artigo: O passado nunca mais
Por: Carlos Galuban Neto*
O mês de março que se encerra marcou os 30 anos da tramitação da Emenda Dante de Oliveira no Congresso Nacional. A PEC, apresentada pelo deputado de mesmo nome, tinha como objetivo devolver aos brasileiros o direito de votar para presidente após 02 décadas de Ditadura Militar.
A mobilização em torno da PEC culminou no célebre movimento das Diretas Já, cujos bastidores podem agora ser lidos na recém-lançada obra “O Girassol que nos tinge”, de autoria do historiador Oscar Pilagallo.
O livro, de leitura fácil e prazerosa, retrata os diferentes setores que se mobilizaram pelo retorno das eleições presidenciais diretas: a classe artística, representada especialmente pelas letras rebeldes do rock nacional; os esportistas, simbolizados principalmente pela famosa Democracia Corintiana; e a imprensa, já exausta dos anos de censura imposta pelos ditadores em regime de revezamento.
Apesar da imensa importância de cada um dos setores acima, é no retrato da classe política que a obra de Pilagallo atinge seu ponto alto, ao mostrar que as Diretas Já talvez tenham sido o maior suco ideológico que a política brasileira já produziu, dada a amplitude de ideários ali representados: democratas cristãos com Franco Montoro e Mário Covas, a centro-esquerda com Fernando Henrique Cardoso, a centro-direita com Tancredo Neves, o getulismo com Leonel Brizola e a esquerda sindical com Lula.
Em razão de tamanha diversidade, é natural que o movimento tenha exigido imenso esforço de seus protagonistas no atingimento do consenso de que as eleições diretas para presidente eram um anseio inadiável da população brasileira, já cansada das promessas de vida melhor que os militares, embora tenham fingido fazê-lo, nunca conseguiram concretizar.
O consenso, elemento tão em falta na vida nacional atualmente, só foi atingido porque os líderes políticos da época perceberam que as enormes divergências existentes entre eles só poderiam continuar existindo em uma democracia que teria como pedra fundamental o direito da população a escolher seus representantes. Interesses político-partidários, assim, foram momentaneamente deixados de lado em favor da derrubada de um inimigo comum aos políticos e à própria população.
A Emenda Dante de Oliveira, é verdade, foi rejeitada pela Câmara dos Deputados por 22 votos, e os brasileiros só votariam para presidente em 1989. A comoção gerada em torno da proposta, porém, tornou inevitável a volta da democracia, o que, até então, diversas alas do regime militar buscavam impedir, inclusive com a promoção de atos violentos, de que é exemplo o atentado ao Riocentro.
Mais importante que isso, contudo, vem a ser a mensagem de que divergências político-partidárias tornam-se meros detalhes quando o que está em jogo é a preservação do regime democrático. Se não quisermos que 31 de março e 08 de janeiro se repitam, “O Girassol que nos tinge” é leitura obrigatória. Esse tipo de passado, nunca mais.
*Carlos Galuban Neto é advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.