Artigo: Sobra Dengue, falta fábrica de repelente…
Por: Raphael Anselmo* e Gustavo Girotto**
É consenso que uma fábrica de repelente traria empregos, geração de receita e arrecadação. Mas a realidade presente é outra: dengue. Que cada um deve cuidar do seu quintal é fato, por outro lado, isso não exime responsabilidades de gestão.
A cidade de Araraquara, no ano passado, enfrentou uma epidemia de dengue – com óbitos. A questão é: como ela reagiu? Rápido e com multa: as multas para residências que mantinham condições favoráveis para a proliferação de mosquitos variavam de R$ 398,16 (6 Unidades Fiscais do Município – UFMs) a R$ 5.308,80 (80 UFMs). Esse valor aumentava, no caso de indústrias e estabelecimentos comerciais, e a multa variava de R$ 3.318 (50 UFMs) a R$ 26.544 (400 UFMs), segundo matéria da EPTV na época. E, se o imóvel estava para alugar ou vender, os agentes tinham acesso as chaves do imóvel na imobiliária. Ajuda mútua.
Longínquo foi o carnaval de 2019. Último festejo em que os taquaritinguenses aproveitaram sem nenhuma preocupação sanitária. Em 2020, muito se falava da Covid-19, o vírus mortal era uma das novidades, mas ainda não estava tão presente no Brasil. Já em 2021 e 2022, o carnaval fora cancelado em decorrência ao vírus. Pela primeira vez na história, o Batatão silenciou.
Esse ano tinha tudo para compensarmos os últimos – vacina no braço e a pandemia controlada – era para ser o ano da redenção. Era!
Taquaritinga é destaque negativo como um dos municípios mais castigados pela dengue – viramos notícia como Araraquara em 2022 na EPTV.
A cidade também não foi exemplo no combate do Covid-19, sendo classificada como objeto de estudo do Instituto Butantan. Mas o que nos torna tão ineficientes no combate de pandemias e epidemias? A resposta pode estar na comunicação e vigilância.
O sucesso nesses casos está entre a comunhão por meio do poder público e a população. Na pandemia, as cidades com menos óbitos tiveram como fator comum a política de campanhas de utilização de máscara, álcool em gel e distanciamento social com fiscalização mais rigorosa – Taquaritinga ficou no “para inglês ver”; teve uma das maiores taxas de mortalidade da região.
O combate à dengue tem que ser todo o ano, pelo ano inteiro, independente de se ter ou não a doença. A população deve fazer sua parte (claro), assim como o poder público, na vigilância: campanhas educativas, teatros em escolas como a antiga peça teatral “O beijo do Mosquito”, medidas mais ativas como o famoso “fumacê” que, pelo noticiário local, agora começou a ser feito.
No passado, Taquaritinga também foi referência no combate a dengue. Lembramos que, no final dos anos 90, a cidade ganhou destaque na mesma EPTV, mas como exemplo. Era a cidade com menos casos de dengue de nossa região. Era fumacê mais de uma vez por semana, visitas constantes dos agentes do Demcove nas casas portando uma substância em pó chamada “abate”, que se despejava nos vasos e recipientes que tinha potencial para ser proliferador do mosquito aedes aegypti, que transmite a dengue, zika e chikungunya.
Os foliões, infelizmente, terão que dividir a felicidade com mais uma preocupação. Além da tradicional canja de galinha para ressacas, receita usada na recuperação de convalescentes desde o Egito antigo, o tradicional repelente deve ser incorporado durante o tríduo momesco.
É preciso que fique claro, como o sol da marchinha – que estava quente e queimou a nossa cara -, que o enfrentamento ao problema é coletivo: administração e população. O cenário desanimador pede a colaboração e sensibilização da população no combate à dengue, mas também evidencia que o poder público deve priorizar o enfrentamento através de comunicação e fiscalização. O jornal O Defensor noticiou, há poucos dias, que polos foram criados no Jardim Martinelli e Jardim São Sebastião – ou seja, medidas estão sendo tomadas. Se será uma barreira de contenção durante o carnaval, ainda é cedo para avaliar.
As emergências não têm hora para chegar e, uma forma de enfrentá-las, é reconhecer humildemente o problema. Seria importante instaurar um comitê de crise, com toda liberdade política necessária, de forma multidisciplinar para tomar decisões rápidas e encontrar soluções coerentes, inclusive se valer da experiência de pessoas como o Adriano Araújo e o Beto Girotto que, no passado, coordenaram equipes de combate ao mosquito com êxito ao lado do próprio Fabrício Araújo. Somar forças é fundamental, independente de divergências.
Por fim, que em 2024 tenhamos um carnaval como de 2019. Bandeira branca, eu peço paz: de dengue, de Covid-19 e até, como na antiga Grécia, de diatribes. Sobra dengue, falta a fábrica de repelente.
* Raphael Anselmo é economista.
**Gustavo Girotto é jornalista.
**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.