Artigo: Ele não é louco
Por: Carlos Galuban Neto*
O presidente de saída convida, ainda durante as eleições, os principais candidatos presidenciais para discussões sobre os grandes problemas que o país enfrenta. Anunciado o resultado da eleição, o presidente de saída e o eleito, apesar de rivais históricos, incumbem suas equipes de trabalharem em conjunto para que adotem as medidas necessárias à manutenção da tão sonhada estabilidade econômica. Parece coisa da Noruega, mas essa história já aconteceu no Brasil e, felizmente, está registrada por escrito no recém-lançado ˜Eles não são loucos – os bastidores da transição presidencial FHC-Lula”, livro de autoria do jornalista João Borges.
Poderia indicar a leitura da obra a Jair Bolsonaro, o que deixo de fazer pelas seguintes razões: o período de transição já acabou; o ex-mandatário não parece leitor dos mais competentes; e, finalmente, se Deus é realmente brasileiro, Bolsonaro não ocupará qualquer cargo em seu futuro, nem mesmo o de síndico de prédio, razão pela qual tornam-se desnecessárias dicas de como se portar enquanto governante.
Minha sugestão, então, é direcionada apenas ao presidente Lula: leia o livro e relembre episódio decisivo de seu primeiro mandato. O ano era 2006 e o petista estava insatisfeito com sua equipe econômica. Achava que Palocci, então Ministro da Fazenda, vinha exagerando na ideia de gerar superávits primários, herança dos tempos tucanos. De outro lado, acreditava que a taxa de juros praticada pelo Banco Central de Henrique Meirelles atrapalhava o crescimento do país, especialmente em ano eleitoral. Convencido por Palocci de que os rumos da gestão econômica estavam corretos, principalmente da ideia de que a redução da taxa de juros não é questão de vontade política, Lula desistiu de demitir Meirelles do cargo e o final já sabemos: logo depois, o Brasil conquistaria grau máximo de investimento, pouco sofreria durante a crise de 2008 e conquistaria índices importantes de crescimento até 2010.
Passados 17 anos, a história ameaça se repetir. Novamente, Lula está desgostoso com a taxa de juros definida pelo Banco Central, ainda que as expectativas de inflação não autorizem qualquer movimento de redução da SELIC no momento. Da mesma forma, novamente temos no Ministério da Fazenda um petista pouco alinhado com o ideário econômico defendido pelo partido há décadas. Fernando Haddad sabe que reduções voluntaristas da taxa de juros não funcionam – se funcionassem, o governo de Dilma Roussef poderia ter sido um sucesso de público – e que apenas reformas estruturais e diminuição do déficit poderão levar os juros ao patamar que os brasileiros e Lula tanto desejam. Ouça Haddad, presidente. Ele não é louco.
*Carlos Galuban Neto é advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.