Artigo: Chuva, suor e ingratidão
Por: Sérgio Sant’Anna*
Gosto da chuva quando bate na janela do meu quarto, seu frescor e o cheiro da terra molhada. Das suas gotas descendo de maneira organizada das nuvens. Os primeiros pingos parecem sempre serem mais volumosos, porém aos poucos tornam-se mais uniformes. Escuto os gritos dos moradores: “Pega a roupa do varal, Fulano!”; “Sicrano, sai da chuva!”.
O ar parece ficar mais limpo, a sensação de calor se ameniza, enfim pode–se respirar. Gosto do verão sim, nasci em Taquaritinga e por mais de duas décadas ali vivi (que saudade!), todavia o calor do Rio Grande do Sul e aqui de Santa Catarina são alimentados pela umidade, tornando-o demasiado. Termômetros oscilando entre 35°C e 45°C. Sua-se às bicas, as roupas curtas e leves ressaltam aos corpos bronzeados, há o alerta para os cuidados diante do câncer de pele. Há sempre a padronização midiática em relação à caracterização daqueles corpos que não se alinham ao seu padrão (quem se importa com isso…). Todos sentem o poder avassalador do Sol e possuem a liberdade de se vestirem como quiserem. A beleza é fundamental, como bradou Vinícius em suas estrofes?
As filas em hospitais crescem neste período. Crianças estão desidratadas, casas sem água ou/e energia elétrica. Homens trabalhando neste calor dispostos ao pão de cada dia, corpos queimados pelos raios solares e a discussão em torno da ausência de proteção ao desfavorecido. Brasil desigual. Políticos se reúnem em meio ao ar-condicionado para elaborarem a estratégia de como conseguir o voto deste que aí está, exposto ao sol escaldante. Queima-se a pele do cidadão; aos políticos, apenas a inteligência.
A chuva é divina, é bela, é cheirosa, é capaz de ajudar àqueles que ainda sofrem com o calor da ausência da nossa sociedade. Enquanto o calor humano é levado ao individualismo e a sociedade de consumo é exaltada, brasileiros assolam-se pelo calor infernal e pelo desejo de que ela possa vir para eliminá-lo e espantar à ingratidão.
* Sérgio Sant’Anna é Professor de Língua Portuguesa do Anglo e COC Professor de Redação da Rede Adventista e Jornalista.
**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.