8 de outubro de 2024
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Artigo: Gol contra do Brasil

Por: Rodrigo Segantini*

Pouca gente prestou atenção, mas o Brasil fez um tremendo gol contra durante essa Copa do Qatar. Pois é, pois é, durante o jogo da seleção brasileira contra o time da Suíça, nosso país sofreu um tremendo revés, o que certamente foi muito prejudicial para a gente. Enquanto o povo todo estava torcendo pela esquadra canarinho, o Governo Federal mandou avisar as instituições de ensino superior que os recursos para sua manutenção neste final de ano estão bloqueados. Isso mesmo: o Governo Federal mandou dizer que o dinheiro que as universidades e institutos precisam para funcionar e pôr suas contas em dia está contingenciado e não será repassado.

Parece notícia requentada, mas não é. Em outubro, em meio à campanha de segundo turno para presidente da república, o ministro Paulo Guedes anunciou que tomaria essa providência. Diante da repercussão negativíssima de tal medida, o presidente Jair Bolsonaro fez seu assessor recuar e dizer que tudo não passou de um mal-entendido. Porém, passada a fase de agradar o eleitorado e posar de bonzinho para angariar votos, a navalha impiedosa cuja lâmina foi desembainhada prestou-se ao corte que havia sido proposto. O congelamento das verbas das universidades e institutos de ensino superior tirou das contas destas instituições e levou para o caixa geral a bagatela de R$ 366 milhões.

Formalmente falando, há uma boa justificativa para tal medida: a decisão foi tomada para atender as regras do teto de gastos, que limitam o aumento de despesas do governo. Porém, convenhamos que se essa é a razão para o bloqueio de verbas, certamente ele era conhecido em outubro, quando anunciou Paulo Guedes, de tal forma que o candidato Jair Bolsonaro mentiu ao dizer que esse corte não era preciso e fez o Governo desdizer o que havia dito. Além disso, é preciso considerar que uma derrapada orçamentária em que é preciso limar R$ 366 milhões na Educação não é algo imprevisível – pelo contrário, pode-se dizer que foi até mesmo uma maldade friamente calculada.

Quando digo que tal providência foi um gol contra, estou me referindo à oportunidade que o Governo Federal se valeu para fazê-la. Enquanto o país inteiro assistia ao jogo da seleção brasileira contra a Suíça na segunda-feira passada, o Ministério da Economia assaltou os cofres da Educação, deixando os órgãos de ensino federal sem dinheiro para pagar suas despesas mais comezinhas, como contas de energia e de água, empregados terceirizados, contratos e serviços em geral, todos compromissos em pleno andamento. Em nenhuma outra área da administração pública, houve um golpe tão profundo e dolorido.

Nenhum país do mundo, em qualquer época da história da humanidade, evoluiu sem levar em conta a educação, sem priorizar o desenvolvimento de sua população por meio da educação. No entanto, Educação nunca foi um tema importante para o Governo brasileiro.

Para o Governo Bolsonaro, sua preocupação nesta seara se limita a evitar o kit gay que nunca existiu e também dar palpites nas perguntas feitas no Enem. Foi nesta pasta durante sua gestão que houve a maior dança das cadeiras. Primeiro, o presidente insistiu em manter como ministro Ricardo Vélez Rodríguez, um filósofo colombiano radicado no Brasil. Depois, Bolsonaro decidiu colocar Abraham Weintraub, homem de sua confiança, o qual caiu por causa das confusões que criou defendendo o presidente dos ataques dos inimigos do governo. Então, tentou-se nomear Carlos Decotelli, que só não chegou lá porque mentiu no currículo, razão pela qual o Ministério da Educação ficou sem um dirigente por mais de 90 dias. Veio então Milton Ribeiro, o pastor que dizem que abrigou vendedores de bíblias em sua gestão que aceitavam pagamentos em barras de ouro.

Mas não pense que Lula, quando foi presidente, foi melhor do que isso. Entre os anos de 2003 e 2007, o futuro presidente deixou de aplicar mais de R$ 20 bilhões na Educação usando o mesmo argumento de Bolsonaro: cumprir o teto de gastos. Em média, ao longo de seu primeiro mandato, um ano pelo outro, Lula cortou R$ 2 bilhões por ano do orçamento do Ministério da Educação, bem mais do que o corte do atual governo. Só para constar, nesta época, os ministros da Educação lulista foram os badalados Cristovam Buarque e Fernando Haddad, com um intervalo ali preenchido por Tarso Genro. O corte nos recursos da educação feito por Lula foi muito criticado na época, mas não eram tão vistosos como o que Bolsonaro está fazendo porque os avanços havidos na gestão do petista acabaram disfarçando essa maldade. Jair não tem nenhum avanço na área para poder apresentar e justificar o gol contra que seu governo fez.

Enquanto a Copa do Mundo acontece, tem gente muito má querendo tirar proveito. Como diria Ricardo Salles, um dos próceres do Governo Bolsonaro e deputado federal eleito na onda provocado pelo atual presidente, enquanto o público estiver distraído e a cobertura da imprensa dedicada a outra pauta, o maquiavélico gestor deve aproveitar para ir passando a boiada. Pense nisso na próxima vez em que estiver torcendo pela seleção brasileira e pense bem qual é o Brasil que você quer que ganhe: o time em campo ou o povo de seu país.

*Rodrigo Segantini é advogado, professor universitário, mestre em psicologia pela Famerp.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.