Cenário do câncer de mama em SP preocupa
Análise da Sociedade Brasileira de Mastologia sobre dados da rede pública do Estado aponta para a necessidade de melhorias no atendimento à paciente.
A Sociedade Brasileira de Mastologia — SBM analisou dados obtidos num levantamento com vários profissionais na rede pública de saúde que convivem diariamente com a realidade atual e identificou os principais gargalos no atendimento à pacientes de câncer de mama. O objetivo é reunir tais informações num documento que não só os sinalize, mas que contenham propostas de melhorias para ser entregue ao governo do Estado de São Paulo.
De acordo com a Dra. Jordana Bessa, da SBM — Regional SP, além das conhecidas fragilidades já existentes ao longo dos anos, como a dificuldade de acesso da população à prevenção e tratamento da doença, por conta da pandemia houve um represamento generalizado de consultas, atendimentos, encaminhamentos, exames, início de tratamento e ainda a ocorrência de alto índice de abandono de tratamentos de câncer de mama. “Em verdade, isto significa um agravamento do cenário do câncer de mama no Estado e, embora não tenhamos dados precisos de outras praças, podemos estimar que o mesmo vem acontecendo em outras regiões do país”, afirma a mastologista.
Segundo a médica, o levantamento ocorreu por meio de entrevistas e formulários enviados para os residentes, chefes de serviços e mastologistas do Estado para obter o panorama do tratamento do câncer de mama na rede pública. No geral, foram identificadas cinco questões e ações que podem dar algum alívio no sistema, visando tanto o diagnóstico precoce como o atendimento do alto número de pacientes que já chegam às consultas em estágios mais avançados da doença. “Esse é o principal problema, ou seja, com esse represamento os pacientes estão chegando com um estágio mais avançado e isso é preocupante, pois o câncer não espera”.
Jordana detalha que esses problemas selecionados representam a prioridade das medidas a serem potencializadas em prol do melhor atendimento às mulheres. O primeiro diz respeito a Lei dos 60 dias, ou seja, a rede pública de São Paulo precisa priorizar o cumprimento da lei, pois faz toda a diferença no tratamento, sobrevida e até nas chances de cura da paciente. “Se considerarmos que a taxa de sobrevida da paciente do câncer de mama em 5 anos está relacionada ao estágio da doença no diagnóstico, chegando a 99% quando localizado na mama e caindo para 30% quando é metastático, isso faz toda a diferença”, explica Jordana, acrescentando que de acordo com o levantamento, 20 a 40% das pacientes têm chegado com tumores avançados. Além disso, segundo dados do Ministério da Saúde (via DATASUS) as pessoas com diagnóstico de câncer de mama estão, em sua grande maioria, iniciando o tratamento com mais de 60 dias do diagnóstico.
O segundo ponto identificado é que o Estado deve priorizar que o exame complementar, após o primeiro sintoma ou exame de imagem alterado, seja feito em até 30 dias. A doutora lembra que o levantamento também identificou que o tempo médio para a primeira consulta com o mastologista (em relação ao primeiro sintoma ou exame de imagem alterado) é de 30 a 60 dias em 35% dos casos e de 60 a 90 dias em 29% dos casos. “Se levarmos em conta que, após passar em consulta, o tempo para realizar a cirurgia é de mais 30 a 60 dias, podemos concluir que é necessário diminuir o tempo de espera entre a paciente ter o primeiro sintoma ou exame de imagem alterado e conseguir realizar a primeira consulta com o mastologista. É preciso buscar formas mais ativas de cumprir o segundo aspecto da Lei 12.732/2012, que estabelece que, quando houver suspeita de câncer, a elucidação diagnóstica deve ser realizada no prazo máximo de 30 (trinta) dias”.
A terceira questão que, segundo a mastologista, deve ser tratada como prioridade é que os hospitais públicos paulistas devem oferecer reconstrução mamária imediata às pacientes submetidas à mastectomia, atendendo a Lei 9.797/99. Ela destaca que a reconstrução mamária tem inúmeros benefícios que se refletem em qualidade de vida para as pacientes, essencialmente no que diz respeito à autoestima, bem-estar psicossocial e bem-estar sexual. “Esse ponto é fundamental para elas e, infelizmente, as taxas de reconstrução mamária imediata no Estado, hoje, giram em torno de apenas 20% das cirurgias realizadas na maior parte dos serviços”, lamenta.
Segundo ela, dados do Ministério da Saúde (através do DATASUS) mostram que houve queda substancial no número absoluto de reconstruções mamárias imediatas e tardias no tratamento para o câncer de mama, em todo o Brasil. Há ainda escassez de materiais como próteses mamárias e expansores teciduais disponibilizados para o SUS nos últimos dois anos, como resultado da pandemia, comprometendo ainda mais as taxas de reconstrução.
O quarto ponto apontado pela análise do estudo diz respeito às pacientes com tumores triplo-negativos (subtipos mais agressivos), a partir de 2 cm (estádio cT2 cN0) que tenham indicação de quimioterapia. Segundo o Presidente da SBM Nacional, Dr. Vilmar Marques, esses pacientes devem ter direito à quimioterapia neoadjuvante, incluindo ainda o uso de capecitabina naquelas com resposta incompleta, pois é comprovado que, em muitos casos, a quimioterapia neoadjuvante possibilita a conversão da mastectomia para a cirurgia conservadora, sem a remoção total da mama, assim como a redução da extensão de dissecção axilar. “Além disso, a quimioterapia neoadjuvante fornece informações prognósticas sobre o tumor e possibilita o uso de terapia adjuvante (posterior) de resgate em pacientes com doença residual, com melhora importante da sobrevida”, esclarece o presidente.
Ele lembra que recentemente levou essa questão ao Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, pois a Sociedade Brasileira de Mastologia entende que a quimioterapia neoadjuvante seja autorizada no SUS a partir do estadiamento IIA para tumores triplo negativos. Na medicina suplementar, esse tratamento consegue ser ofertado para as pacientes de rotina, mas no SUS existe uma limitação da autorização desse tratamento, tendo a liberação somente para pacientes com estadiamento III (mais avançados) ou pacientes com invasão linfonodal. “Essa regra está desatualizada, pois não leva em consideração o subtipo tumoral para a tomada de decisão do médico prescritor, prejudicando muitas pacientes que se beneficiariam da quimioterapia neoadjuvante”, complementa Marques, ressaltando que, segundo o ministro, os Estados têm autonomia sobre o tema.
O último ponto que será levado à Secretaria de Saúde paulista diz respeito às pacientes com tumores HER-2, com mais de 2 cm (estádio cT2 cN0), entendendo que elas devem ter direito a quimioterapia neoadjuvante, incluindo ainda o uso de TDM1 nas pacientes com resposta incompleta. Assim como no caso dos tumores triplo-negativos, as pacientes com tumores de subtipo HER-2 (subtipos mais agressivos) também se beneficiam de iniciar o tratamento com a quimioterapia neoadjuvante a partir do estadiamento IIA.
Este subtipo de tumor também responde bem ao tratamento neoadjuvante, o que possibilita as mesmas vantagens: conversão para cirurgia conservadora, redução de dissecção axilar, coleta de informações prognósticas e terapia adjuvante de resgate em pacientes que não tiveram resposta patológica completa. “O tratamento de resgate, nestes casos, é feito com trastuzumabe entansine (TDM1), medicamento que propicia melhora significativa da sobrevida livre de doença. O TDM1 ainda não foi aprovado pela Conitec (apesar de já ter sido discutido em reunião em maio de 2022 e ter sido encaminhado à consulta pública)”, finaliza o presidente.